Metida no Mosteiro de Santa Domingo de Toledo
«(…) Pertencente a uma linhagem da média-nobreza portuguesa que servira
na corte desde o reinado do avô de Joana,
Vasco estava casado com Filipa Vasconcelos, filha do nobre de antiga
linhagem Gonçalo Mendes Vasconcelos, o qual tinha aceitado esse enlace só
depois de a rainha D. Leonor se ter comprometido a pagar um importante dote. Nove
dias após ter escrito aquela carta, o rei aragonês enviou uma circular aos
infantes Pedro e Henrique de Portugal, ao duque de Bragança e aos conselheiros
de Afonso V. Nessa carta explicava que, antes de morrer, a sua irmã lhe enviara
Vasco para cumprir o referido encargo. Na realidade, como a rainha não
pudera continuar a manter todos os seus servidores em Toledo, Gouveia
fora nomeado monteiro-mor de Aragão a pedido da mesma. Segundo a reclamação do
rei aragonês, a infanta devia ser levada para Valência para ficar sob a tutela do
referido servidor e da sua esposa, em
casa e na companhia da sereníssima Rainha, nossa muito cara e muito amada
mulher (...) até que ela tenha idade para ser dada em matrimónio segundo o seu
estado.
A partir de então, iniciar-se-ia um intercâmbio epistolar triangular, entre
os reinos de Aragão, Portugal e Castela, do qual só sobreviveram as cópias das
cartas aragonesas. Esta documentação mostra como pouco depois de fazer seis
anos, a infanta Joana de Portugal se
transformara numa peça disputada pelos três reinos, cada qual com um propósito
diferente para ela. E tudo isso apesar de a chancelaria aragonesa, e talvez a
portuguesa, não saberem exactamente por onde andava a criança depois da morte
da sua mãe. No mesmo dia em que escreveu aos portugueses, o Magnânimo enviou uma carta ao seu embaixador em Castela
ordenando-lhe que, se a infanta ainda se encontrasse nesse reino, aquele se
encarregasse dela, a levasse para Valência e a entregasse à rainha Maria. No
caso de ter regressado a Portugal, devia pôr-se em contacto com os antigos
servidores da rainha D. Leonor, que a teriam acompanhado até aí, para que eles
procedessem do mesmo modo.
Alfonso V de Aragão também intimava o seu embaixador a que, quando
encontrasse Joana, lhe entregasse os
quinhentos florins das rendas do domínio de Alcolea de Cinca,
propriedade da sua mãe, para aliviar a extrema necessidade de que padecia. E
que, no caso de a infanta precisar de mais dinheiro, escrevesse à sua esposa, a
rainha D. Maria de Aragão, para que ela procedesse como devido, com o seu poder e faculdade. Por último,
o Magnânimo ordenava a esse servidor
na corte castelhana que, se Joana já
tivesse deixado Castela e se encontrasse no seu reino de origem, no caso de o
rei de Portugal autorizar a dita infanta a viver no reino de Aragão
intercedesse perante o português para que desse
azo a que a infanta seja nos seus reinos bem tratada (...) e quando queira sair
dos seus reinos a deixe livremente partir e sair e ir para Aragão. Estas
cartas demonstravam não só o grande interesse do monarca aragonês em cumprir o
desejo da irmã como também a vontade de dispor de uma infanta casadoura, sem qualquer
mancha de ilegitimidade, ao contrário dos seus próprios filhos, nascidos fora
do matrimónio ainda que rapidamente legitimados pelo papa.
Nessa altura, as tropas pedidas a Portugal por Álvaro de Luna, com
as quais pensava fazer frente aos infantes de Aragão, já tinham partido de
Coimbra rumo a Castela. No entanto, o seu número era muito maior do que o
combinado de antemão e, portanto, maior seria o soldo a entregar-lhes. Dois
mil homens a cavalo e quatro mil a pé, segundo crónicas portuguesas. O jovem
condestável Pedro de Portugal ia à frente de um exército capitaneado,
entre outros nobres, por membros das linhagens de Castro, Almeida, Meneses e
Soares de Albergaria, cujas filhas, sobrinhas e netas acabariam por fazer parte
das casas da futura rainha D. Joana em Castela e da sua filha, a Excelente
Senhora, em Portugal». In A Rainha Adúltera, Joana de Portugal e o
Enigma da Excelente Senhora, Crónica de uma difamação anunciada, Marsilio
Cassotti, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2012, ISBN 978-989-626-405-5.
Cortesia da E. dosLivros/JDACT