«Em
1984 Oliveira Marques
publicou na revista Nova História Século
XVI um texto até aquele momento inédito que apresentou com o título: Uma
descrição de Portugal em 1578-80. Na breve introdução, o investigador
vincava o facto que se tratava de um códice
anónimo, encontrado em Hannover, cujo título, na versão original, e Ritratto
et Riverso del Regno di Portogallo. No que diz respeito à datação, o
investigador afirmava que o manuscrito, devido às características da grafia,
datava dos inícios do século XVII se bem que a elaboração do texto deveria ser
colocada em 1578-1580, depois de morte do monarca Sebastião I, mas ainda na
época do cardeal Henrique, considerado pelo autor como rei, muito bom e muito santo. Com base numa série
de elementos internos, Oliveira Marques chegava também à conclusão que o
italiano devia ser um clérigo ou um homem
ligado à Igreja, que nunca critica, exaltando a Inquisição (maldita),
odiando os Judeus, etc. Pode tratar-se de um súbdito dos Estados Papais, pelas
alusões respeitosas que faz ao Sumo Pontífice e seus decretos. Além disso
punha em evidência o facto que a língua utilizada era o florentim,
elemento capaz de oferecer indicações úteis para estabelecer a sua pátria de origem, dentro da Itália.
Este conjunto de considerações induziu o investigador a levantar a hipótese que
o autor devia ser, com toda a probabilidade membro
de uma das muitas embaixadas e outras missões enviadas pelos diversos Estados
italianos a Portugal durante o século XVI.
Como
veremos, a análise do texto revela que o autor conhecia profundamente a
realidade portuguesa, a vida quotidiana, a organização política, administrativa
e religiosa do Reino, facto que deveria excluir uma frequentação exterior e
limitada como, com toda a probabilidade, era aquela de um membro de uma embaixada. Além disso, se o autor dedica um espaço bastante
amplo à problemática religiosa e se a sua atitude não é abertamente crítica perante
as instituições eclesiásticas, não significa forçosamente que se trate de um
religioso. Com efeito, durante o século XVI era perfeitamente natural para
qualquer cristão conhecer os mecanismos da religião e ter consideração pela
igreja e pelo papa. Por outro lado, revela-se mais difícil explicar que um
religioso se mostre tão interessado nos aspectos técnicos da organização
administrativa e jurídica, pela vida material, pelo viver quotidiano, pela
maneira de vestir, pelos hábitos das diferentes camadas sociais, etc.
Graças
a uma feliz coincidência, na Biblioteca Nacional de Florença existe uma
outra versão da mesma obra, também anónima que, com base na grafia, pode ser
considerada como uma cópia quinhentista. Este manuscrito aparece praticamente
idêntico na grafia com uma carta autógrafa do engenheiro militar Baccio
Filicaia. Como muitos outros arquitectos ou engenheiros militares
italianos, Baccio Filicaia, originário da região de Florença, começou a
trabalhar em Portugal e sucessivamente transferiu-se para o Brasil onde viveu
onze anos. Uma personagem deste tipo, directamente envolvida na vida social
portuguesa tinha a possibilidade de chegar a uma compreensão profunda do país
que o hospedava, portanto, apesar das muitas dúvidas que ainda persistem acerca
da identificação do autor do Ritratto et Riverso del Regno di Portogallo,
consideramos mais provável a atribuição desta obra a um engenheiro militar
florentino como Baccio Filicaia ou a um outro conacional radicado em
Portugal, do que a um eclesiástico membro de uma das numerosas embaixadas
italianas que naquela época foram enviadas a Portugal.
O
facto de a questão da autoria ficar por enquanto em aberto não anula minimamente
a importância desta obra, mas para uma melhor compreensão do seu significado
global, vale a pena avaliar o género, a estrutura do texto e os campos de
interesse preferenciais. O título Ritratto et Riverso oferece uma
primeira indicação relativamente ao género escolhido pelo autor: não se
trata de um diário, de uma memória ou de um itinerário, mas
sim de um tratado que tem por objectivo facultar ao leitor o retrato de um determinado
país. A intenção é, ao mesmo tempo, aquela de oferecer um retrato
completo, nos aspectos positivos e negativos e, consequentemente, o texto é
estruturado em duas partes, diferentes no que diz respeito simultaneamente às
suas características e extensão». In Carmen Radulet, Um Retrato Italiano de
Portugal no Século XVI, a Joaquim Veríssimo Serrão os Amigos, Fraternidade e
Abnegação, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 1999, ISBN 972-624-126-X.
Cortesia
da APdaHistória/JDACT