quarta-feira, 16 de julho de 2014

Onde Fica o Meu País? O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer. Anderson Martins. «… estabelece que o ‘exilado’ é aquele que deixa a sua terra individualmente, por razões políticas, e raramente retorna a seu país de origem. Já o ‘refugiado’ se diferencia pelo carácter colectivo da sua partida»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«Esta tese analisa dois dos mais recentes romances de Nadine Gordimer, Ninguem para me acompanhar (1994) e O engate (2001), que pertencem à categoria de literatura sul-africana pós-apartheid. Apesar de ambos fazerem parte da ficção sul-africana, a abordagem analítica usada na tese expande o seu alcance a fim de enxergá-los como literatura transnacional, particularmente no caso de O engate. O estudo de Ninguem para me acompanhar segue em duas direcções principais. Em primeiro lugar, o objectivo e compreender alguns temas e técnicas narrativas selecionados por Nadine Gordimer a fim de ficcionalizar o período de transição, entre 1990 e 1994, em que uma nova elite negra, que havia retornado do exílio recentemente ou sido libertada da prisão, passou a ocupar os principais cargos políticos do país. Em segundo lugar, o foco do estudo volta-se para a presença de elementos autobiográficos na narrativa, numa tentativa de explicar a decisão tomada por Gordimer de recorrer a autoficção, uma vez que ela é conhecida por ter recusado diversas propostas para escrever as suas memórias ou a sua autobiografia. Simultaneamente, é possível discutir o pensamento abstrato de Gordimer em relação aos temas da lei e da verdade. A análise de O engate é também dividida em duas partes. A primeira delas se situa na África do Sul e narra o envolvimento sexual de uma jovem branca e rica e um imigrante ilegal vindo de um pais muçulmano não identificado. Isto dá acesso ao posicionamento de Nadine Gordimer em torno da chamada nova África do Sul e suas novas formas de segregação. A segunda metade do romance se situa na vila às margens do deserto onde o imigrante e a jovem vão viver temporariamente com a família do rapaz. O foco da analise recai sobre a visão critica de Nadine Gordimer no tocante à exploração da força de trabalho do migrante nas grandes cidades ocidentais. Paralelamente, a autora convida a considerar formas alternativas de viver e partilhar experiências transnacionais no século XXI».

Aquele precário reino do exilio
«Os diversos matizes de deslocamento espacial já se tornaram lugar-comum no campo dos estudos literários. No entanto, como toda aproximação interdisciplinar, os pontos de contacto entre a literatura e a migração exigem cuidados metodológicos e bibliográficos que minimizem o emprego inconsistente de conceitos e terminologias. Tradicionalmente, os movimentos humanos têm sido tratados pelos especialistas em disciplinas como a geografia e a história e, mais recentemente, por antropólogos, sociólogos e psicanalistas. O número de periódicos especializados é significativo. Além disto, a própria facilidade de deslocamento ocasionada pelos desenvolvimentos tecnológicos, bem como os eventos devastadores do último século e princípio do actual, conduziram a um forte recrudescimento das chamadas ondas de migração. No esforço de sistematizar o estudo dos movimentos humanos, os especialistas viram-se diante de um quadro marcado pela diversidade, seja em relação às causas do deslocamento, seja em relação às expectativas e projectos criados, no exterior, pelos sujeitos deslocados. Desta maneira, termos como migração e exílio precisaram ser bem definidos, o que redundou na elaboração de uma nomenclatura mais complexa em que conceitos como expatriação, diáspora e nomadismo adquiriram importância. Além disto, a apropriação destes estudos por disciplinas relacionadas às artes e à filosofia criou uma nomenclatura complementar, desta vez mais metafórica, que trouxe à cena conceitos como deriva, migrância, errância, deslizamento, etc. Em contrapartida, o estudo sistemático dos movimentos humanos revelou a necessidade de se pensar acerca de seu contrário: a permanência. A partir daí, surgiram profundas reflexões em torno do lar, da casa, da família, da nação, sempre numa relação contrapontística com tudo aquilo que interfere na sua estabilidade. Tal quadro, multifário e multidisciplinar, exige um trabalho preliminar em que os campos conceituais se delimitem minimamente, a fim de que o estudo da literatura vis-a-vis o deslocamento espacial não se perca em inconsistências. Na tentativa de reduzir os efeitos do uso indiscriminado de termos relacionados aos movimentos humanos, Darko Suvin (2005) estabeleceu alguns pré-requisitos para que ao menos quatro destes conceitos fossem devidamente diferenciados. Através de duas tabelas bastante simples, o autor procura distinguir os exilados, os expatriados, os refugiados e os emigrados.
De acordo com Suvin, a primeira categoria de distinção é regida pelo aspecto quantitativo do deslocamento. A segunda categoria diz respeito as causas da partida, e, finalmente, o terceiro critério aponta para a possibilidade e/ou desejo de retorno ao país de origem. A partir dai, Suvin estabelece que o exilado é aquele que deixa sua terra individualmente, por razões políticas, e raramente retorna a seu país de origem. Já o refugiado se diferencia do exilado pelo carácter colectivo da sua partida, que também tem razões políticas e normalmente não prevê o retorno. À semelhança do exilado, o expatriado parte individualmente, embora o faça por razões ideológicas e económicas e tenha a liberdade de retornar ao seu pais de origem sempre que deseje ou quando tenha adquirido as condições materiais para tanto. Por fim, os emigrados diferem da categoria anterior pela partida em grandes grupos, causada normalmente por razões económicas e envolvendo uma possibilidade apenas remota de retorno». In Anderson Bastos Martins, Onde Fica o Meu País?, O exílio e a migração na ficção pós-apartheid de Nadine Gordimer, Tese, Universidade F. de Minas-Gerais, Faculdade de Letras, Brasil, 2010.

Cortesia da UFMGerais/JDACT