A Chegada dos Cristãos. O Refluxo do Islão Espanhol
«(…) Em meados do século XI, a chama será erguida pela Toledo do prestigioso
al-Ma'mun (1045-1077), que alberga os artistas e sábios expulsos de
Córdova pelo desmoronamento do califado. Al-Andalus faz verdadeiramente
parte de um conjunto de elementos que se estende até ao Indo, onde circulam os
homens, as ideias e os livros, onde nunca se perdeu a memória das obras da
Antiguidade e onde nunca se interrompeu a tradição de leitura. Deste ponto de
vista, está-se a anos luz da Europa cristã. A Europa cristã, exactamente.
Durante muito tempo, Al-Andalus desprezou-a. E claro que foi preciso
fazer um esforço para repelir os exércitos de Carlos Magno, que penetraram até
Saragoça e Barcelona, mas finalmente haviam sido detidos e a maioria do terreno
perdido, reconquistada.
Durante muito tempo, pouco mais incómodo causaram aqueles grupos guerreiros das
Astúrias e da Galiza que a pouco e pouco se espalharam pelo grande planalto do
Norte. Ocupam Leão, a capital, e Santiago de Compostela, onde pretendem ter
descoberto o túmulo do apóstolo do mesmo nome; mas ainda há, bem pouco, os
raides de Almançor, o déspota de Córdova, puseram a ferro e fogo as suas
vilas e cidades. Todavia, ganham peso porque Al-Andalus divide-se.
Curiosamente, sempre lhe foi difícil dotar-se de um regime estável. Durante quase
cinquenta anos, dependera de Damasco. Em 756,
apresentara-se em Córdova um príncipe vindo do Oriente, o último dos Omíadas,
o último sobrevivente da família dos califas, massacrada e destronada num golpe
de estado sangrento. Instalara-se, tomara o título de califa e, de então para a
frente, a Espanha muçulmana era independente. Com dificuldade, entre revoltas
de governadores e intrigas de palácio, encontrara sempre um homem de pulso para
a manter unida, nem que fosse à custa de uma ditadura sanguinária.
Mas pouco depois do ano 1000,
o ano 1000 dos cristãos, ocorrera o
irreparável: Al-Andalus fraccionara-se em taifas, em principados
independentes e rivais, incessantemente virados uns contra os outros; Sevilha,
Toledo, Saragoça, Valência, Granada, Badajoz, para falar apenas dos mais
importantes e não falar desses Estados minúsculos que eram Huelva, Moron,
Arcos, Rueda, Denia ou Lérida, uma boa vintena no seu total. Como podia a alma dos verdadeiros crentes
não sofrer com esta escandalosa fragmentação? Tanto mais que os
cristãos beneficiavam com isso. Não estavam menos divididos: os
reinos de Leão, de Castela (em volta de Burgos e muitas
vezes unidos, esses dois), de Navarra (em redor de Pamplona), os condados
catalães (uma meia dúzia pelo menos, mas dominados pelo conde de Barcelona),
o pequeno
reino de Aragão, que estava a formar-se nos altos vales dos Pirenéus
centrais, invejavam-se ainda mais do que temiam os muçulmanos. Mas,
estendiam-se, e cada vez mais rapidamente.
Porque o aparecimento dos taifus
constituíra para eles uma bênção. Atraídos pelo ouro, eles que praticamente lhe
tinham perdido o uso, os seus soberanos haviam posto os seus exércitos ao
serviço dos reizinhos muçulmanos e haviam enriquecido consideravelmente. A
pouco e pouco foram-se tornando ousados e agora exigiam. Já não lhes era pedida
a sua protecção: eram eles que a impunham. Obrigavam a que lhes fossem dados
verdadeiros tributos, as parias,
que arruinavam os príncipes de al-Andalus e os seus povos. Pobre do que não pagava! Uma
razia em breve o obrigava a voltar à razão: al
Ma'mun de Toledo, al Muktamid
de Sevilha, o mais poderoso dos soberanos muçulmanos, haviam conhecido
essa experiência. Em contrapartida, os cristãos mantinham a sua palavra e
protegiam, de facto, os seus clientes contra o que quer que fosse: chegou a
ver-se os seus exércitos defrontando-se ao serviço de dois príncipes muçulmanos
rivais, ou mesmo para proteger um muçulmano dos assaltos de um cristão. As
terras do Islão são um campo aberto aos aventureiros. Célebre, entre eles, o Cid, Rodrigo Diaz Vivar.
Nobre castelhano, nascido em Burgos, ao serviço de Afonso VI, encontrava-se
numa embaixada em Sevilha para receber a paria
quando repeliu os exércitos granadinos que atacavam a cidade, comandados pelo
conde Garcia Ordoñez, também castelhano. Expulso da corte do seu senhor na
sequência de querelas políticas, colocou-se, com um exército sem dúvida composto,
pelo menos em parte, por vassalos seus, ao serviço do rei mouro de Saragoça,
por conta de quem esmagou (as crónicas dizem que capturou) o conde de
Barcelona. Daí passou a Valença, onde permaneceu durante anos, atacando uns,
exigindo tributo a outros, protegendo al-Qadir, o soberano da cidade, vassalo
de Afonso, contra os seus inimigos, tanto cristãos como muçulmanos». In Louis Cardaillac, Tolède, XII-XIII, Éditions
Autrement, Paris, 1991, Toledo XII-XIII, Muçulmanos. Cristãos,
Judeus, O Saber e a Tolerância, Terramar, Lisboa, 1996, ISBN 972-710-144-5.
Cortesia de Terramar/JDACT