Resumo
«A presente dissertação pretende
mostrar a representação da diáspora contemporânea na obra de Nadine Gordimer,
O Engate. Para tanto,
será utilizado o ferramental teórico baseado em autores de estudos pós-coloniais
e de estudos culturais. Fenómeno cada vez mais comum no mundo, a diáspora
constitui um movimento voluntário, ou forçado, de pessoas e povos de suas terras
natais para novos locais. A diáspora tem acontecido desde a dispersão dos
judeus na antiguidade, perpassa pela escravidão africana, e as migrações dos
países europeus para as colónias, no final do século XIX, ganhando força
renovada após a II Guerra Mundial. A renovação da diáspora após 1945 envolve factores como a
globalização, a flexibilização das fronteiras, a facilidade de transportes e comunicação,
além de factores económicos e sociais. A diáspora afecta grandemente a
identidade, não apenas da pessoa diaspória, mas também as pessoas com quem ela
tem contacto, seja no seu local de origem, seja no local de chegada, pois
envolve aspectos sociais, culturais e identitários, sentimentos de lar e deslocamento,
que significa sentir-se como não pertencente a algum lugar. O livro apresenta
dois tipos de diáspora distintos, ambos marcados pelo deslocamento: a
primeira, de Ibrahim, que passa por diversos países até chegar à África do
Sul, levado, em primeira instância, por razões económicas; e a de Julie, que
sai da África do Sul e vai até ao país árabe desértico onde Ibrahim nasceu,
para acompanhar o marido, fugindo do mundo superficial em que vivia. A diáspora
afectou negativamente Ibrahim que, para manter-se num país onde é outremizado e
tratado como inferior, por sua condição de imigrante ilegal, procura
esconder-se na multidão, e até mesmo muda de nome. Julie não tem nenhuma razão
aparente para efectuar a diáspora, pois tem tudo o que Ibrahim sonha. No
entanto, acaba seguindo Ibrahim para seu país de origem, depois que se casam, e
ele é deportado da África do Sul. Esta atitude provoca uma mudança profunda na
vida de Julie, que se adapta ao clima árido e apaixona-se pelo país. A diáspora
de Julie, portanto, é uma busca por um sentimento de lar e completude, que ela encontra na família de Ibrahim. Assim,
quando Ibrahim busca fugir mais uma vez do país que o oprimia, Julie opta por
ficar com a família dele. Ambas as diásporas, no final do romance, representam
a busca do sentimento de pertencimento, de lar:
enquanto Ibrahim o busca novamente num país desenvolvido (os Estados Unidos),
Julie o encontra no país pobre do marido. A obra de Gordimer mostra a diáspora
contemporânea, motivada não apenas por razões económicas e sociais, mas também
pela fragmentação do indivíduo da pós-modernidade».
O Fenómeno
da Diáspora
«Originalmente sendo o termo que
designava a dispersão dos judeus após o exílio na Babilónia, estendendo-se
depois para outras dispersões, a palavra diáspora actualmente tem um
sentido mais amplo, e pode designar qualquer movimento de povos ou grupos
sociais que possuam alguma origem comum. Diariamente, por todo o mundo, grupos
sociais deslocam-se pelos mais variados motivos: busca de trabalho, melhores
condições de vida, estudo, fuga de guerra, ou até diversos desses factores
interligados. Méier (2005) afirma algo relevante sobre o assunto:
… talvez nós possamos sugerir agora que
as histórias transnacionais de migrantes, os colonizados ou refugiados
políticos, estas condições de fronteiras, possam ser o terreno da literatura
mundial. Como parte de uma realidade quotidiana e conhecida no mundo, a
diáspora é ligada a sentimentos de fragmentação, de deslocamento e de perda de
identidade. Outro assunto para análise é o status
ocupado, no mundo globalizado, pelo sujeito diaspório. Por sua característica
de formação da identidade, o tema é muito abordado na literatura mundial, e também
na literatura de língua portuguesa, em vários de seus aspectos: seja na viagem
de exploração da dominação europeia, seja na fragmentação do indivíduo das colónias,
quando se trata de demonstrar numa única pessoa, e suas tentativas de fuga, a
busca pela identidade, pela liberdade ou pelo conforto. O sujeito das colónias,
ao mudar de país ou de região, tem que enfrentar uma nova cultura, geralmente
hegemónica, que entrará em conflito com a sua própria.
Quando há um enfoque sobre as
nacionalidades, busca-se sempre uma unidade política, que praticamente
tornou-se impossível no mundo globalizado. No entanto, as populações híbridas,
resultantes dos movimentos diaspórios, que se sentem deslocadas e fragmentadas
devido a esse mito da unidade, têm
sido esquecidas ou ignoradas. Mesmo existindo certo consenso teórico
internacional sobre o assunto, mas uma revisão de literatura bem articulada,
além de traduções importantes para o tema. Sabe-se que, após a II Guerra
Mundial e, principalmente, após a Guerra Fria, as fronteiras dos países em
desenvolvimento tornaram-se mais flexíveis, e a globalização tem levado ao
deslocamento de grupos numerosos de pessoas em busca da realização dos sonhos provocados
por um mundo capitalista. A diáspora precisa ser estudada, assim como os seus desdobramentos
na literatura e nas artes em geral. Nadine Gordimer recebeu o Prémio
Nobel da Literatura em 1991,
chamando, mais uma vez, a atenção para a ignomínia que era o apartheid, na África do Sul. Actuava
sempre em causas humanitárias em prol de seu país, e transferia as suas ideias
políticas para a escrita. Afirmou, numa entrevista, que o dia em que se sentira
mais orgulhosa na sua vida, não fora quando recebeu o Nobel, mas quando,
em 1986, foi testemunha em um
julgamento, para salvar as vidas de 22 membros do Congresso Nacional
Africano, acusados de traição. A autora nasceu na cidade de Springs, no
Transvaal, em Novembro de 1923, e é
filha de imigrantes judeus de classe média alta. O pai era joalheiro, nascido
na Lituânia, e a mãe originária de Londres. A mãe de Gordimer,
impressionada com o modo como eram tratadas as crianças negras, abriu uma
creche para dar apoio gratuito a essas crianças. Tal atitude contribuiu para a
formação social e política da escritora, que iniciou a sua carreira aos 15
anos, quando escreveu pequenas histórias, publicadas dez anos depois, sob o
nome de Face to Face. Estudou
na Universidade de Witswatersrand, Joanesburgo, e viajou bastante pela África e
pela América do Norte. Até 1994, Gordimer
já havia publicado treze novelas, duas centenas de contos, e diversos livros de
ensaio. Seus escritos foram traduzidos em mais de trinta línguas, e recebeu
numerosos prêmios e doutoramentos honoris
causa.
A obra que a lançou mundialmente
foi A filha de Burguer (1979).
O seu estilo é pessoal, mas sem nunca deixar os aspectos mais amplos de
política e história. É sua a frase, a política
é uma personagem na África do Sul. Assim, a maior parte de suas obras trata
das tensões morais e psicológicas de seu país. É um dos membros fundadores do
Congresso Sul-Africano de Escritores. Nadine Gordimer sempre se
interessou pelas complexidades da alteridade: cresceu numa África pós-colonial,
e viveu os vários estágios do regime do apartheid,
analisando a alteridade sofrida pelos negros nas suas primeiras obras. Agora,
com a população negra sendo absorvida lentamente pela sociedade branca
sul-africana, alguns críticos chegaram a considerar que Gordimer havia perdido
sua razão de luta com a literatura, tornando-se uma rebelde sem causa». In Alba
Krishna Topan Feldman, um longo caminho até o lar, A Representação da Diáspora
Contemporânea e suas Implicações no romance ‘O Engate’, de Nadine Gordimer, Centro de Ciências Humanas, Letras
e Artes, Dissertação de Mestrado, Maringá, Brasil, 2006.
Cortesia
de UEM/JDACT