O
Rosto da Batalha
«Meio
século decorrido após a paz de Vestefália, 1648,
que tinha estabelecido um novo equilíbrio europeu, o xadrez político não se
alterara profundamente aquando da entrada no século XVIII: continuava a marca profunda
de Luís XIV e do seu projecto hegemónico para a França, com forças militares
entre 200 e 300 mil homens; a oposição à França, no mar, por parte da Holanda e
da Grã-Bretanha e, em terra, da Áustria; a importância do necessário equilíbrio
europeu, que se baseava numa rede complexa de alianças militares para reduzir o
poder das potências hegemónicas; a crescente importância dos mercados americano
e asiático, com o incremento do tráfego internacional de mercadorias de grande
produção e consumo, o que tornava a própria Península Ibérica, e em particular
Portugal, numa área estratégica fundamental. A Guerra da Sucessão de Espanha,
considerada a primeira guerra europeia da idade moderna, aparece na sequência de
um confronto entre Bourbons e
Habsburgos pela conquista do trono da Espanha e enquadra-se num outro conflito
mais global, da luta entre a França e a Inglaterra, ambas aspirando à hegemonia
da Europa, ao controlo dos territórios ultramarinos indispensáveis e ao
consequente desenvolvimento económico e comercial, e às respectivas linhas de
comunicação oceânicas.
Falar
de territórios ultramarinos e de linhas de comunicação oceânicas é falar da
inevitável participação de Portugal na guerra, numa altura em que o país, cerca
de sessenta anos depois da restauração da independência, ainda se debatia com
problemas de afirmação, aquém e além-mar. A participação de Portugal nesta
guerra longa de cerca de 14 anos (1701 - 1714),ao lado de ingleses
e holandeses e contra franceses, austríacos e espanhóis, transformou
o espaço nacional numa testa de ponte dos aliados e numa fronteira do próprio
conflito. É nesta conjuntura que avulta a campanha conduzida pelo marquês das
Minas para ferir a Espanha no próprio coração - Madrid.
Conquistar
Madrid em
1706, constituiu, para uma parte
significativa da sociedade portuguesa de Setecentos, uma maneira de mostrar ao
mundo que Portugal, depois de sessenta anos de jugo espanhol, voltava a ser um
estado soberano com um papel importante no concerto das nações. Poucos
portugueses saberão hoje que António Luís Sousa, comandando cerca de 20 mil homens, dos quais 4200 eram ingleses e holandeses,
conquistou Madrid após uma campanha ao longo de três meses e ocupou a capital espanhola
durante cerca de 40 dias fazendo aclamar o arquiduque Carlos de Áustria como
rei de Espanha, afinal o objectivo político da participação portuguesa.
A Guerra da Sucessão de Espanha, à semelhança de outras intervenções
militares portuguesas é pouco conhecida, pela forma abreviada e pouco precisa
como é abordada pelas Estórias
de Portugal, sendo as divergências relacionadas com posições ideológicas e com
as simpatias afrancesadas ou britânicas e especialmente, pela forma premeditadamente
esquecida como os aliados as tratam.
É
sobre esta guerra complicada e, sobretudo, sobre esta campanha desconhecida,
vitoriosa e motivo de orgulho das cores nacionais, com a consciência das
diferenças relativamente ao actual xadrez das relações internacionais no início
do século XXI, onde, cerca de trezentos anos passados, Portugal e Espanha,
continuam vizinhos mas agora fortes aliados no concerto das nações democráticas
de uma renovada Europa.
Razões
da Guerra da Sucessão de Espanha
A Guerra
da Sucessão de Espanha teve a sua génese na disputa pela sucessão de Carlos
II de Espanha, que faleceu a 1 de Novembro de 1700 e não deixou descendência, apesar dos seus dois casamentos, o
primeiro com Maria Luísa de Orleans e o segundo com Ana de Baviera-Neuburg. A
morte do último rei Habsburgo espanhol, esperada desde 1665, tornou os preliminares e a
própria guerra num autêntico palco da luta entre as potências continental e
marítima, no sentido de se atingir um novo equilíbrio político-militar para a
Europa, em face da lista de pretendentes». In João Vieira Borges, Conquista de Madrid,
1706, Batalhas de Portugal, Tribuna da História, Lisboa, 2003, ISBN
972-8799-08-X.
Cortesia
de Tribuna/JDACT