A Época. Os Portugueses em Marrocos no século XVI
«(…) A conquista e a permanência em Alcácer Ceguer compreendem-se devido
à dificuldade da ligação terrestre entre Ceuta e Tânger e à utilidade de mais
um posto de guarda do estreito de Gibraltar. A praça está situada na margem
baixa e arenosa de um pequeno rio, apenas acessível a batéis, ê é dominada por
uma colina, o Seinal, que a deixava à mercê de um exército que dispusesse de
artilharia. A instalação dos portugueses em Azamor, Mazagão e Safim foi desejada
pelas facilidades de comércio e porque aquelas cidades dominavam as regiões
férteis da Erxovia e da Duquela. Os nomes destas províncias derivam das tribos
que as povoavam: os Shawiya e os Dukalla (?). As difíceis condições portuárias
explicam o fracasso da instalação portuguesa na Mamora, situada junto à foz do
rio Cebu, onde hoje se situa Mehdia e, a montante, a cidade de Kenitra. A perda
de Mogador, em 1510, terá, sido
devida à forte oposição da confraria dos Iiagraga (?). O desastre de Santa Cruz
do Cabo de Guer foi facilitado pelo lugar em que a fortaleza foi construída,
junto ao sopé de um monte onde havia uma fonte de boa água, mas que permitiu o
bombardeamento feito de uma posição elevada que dominava o interior da praça.
A empresa marroquina teve para os portugueses um forte cunho religioso
e popular. Entre os factores que criaram esse sentimento, deve acentuar-se a
lembrança da formação do reino em luta contra os mouros, a existência das
lendas das (mouras encantadas) as notícias sobre as suas riquezas, a expansão
do culto dos santos Mártires de Marrocos, os cinco franciscanos que perderam a
vida pregando pela conversão daquele país no século XIII, as surtidas dos
piratas contra as costas algarvias, a própria proximidade do território. Todos
esses dados predispunham a soluções de beligerância militante. A vitória obtida
em Ceuta, em 1415, consolidou o
projecto de ocupação de Marrocos na mente de boa parte da população e dos dirigentes
portugueses. O desastre de Tânger, em 1437,
é o desejo de compensar a frustração causada pelo cativeiro e morte do infante
Fernando, a grande derrota da Mamora (1515) e a perda de Santa Cruz (1541),
entre outros eventos, foram marcos que contribuíram para a exacerbação do
projecto português. Vários sucessos importantes de carácter económico, como o
do comércio de tecidos produzidos na região de Safim, o dos objectos de cobre
manufacturados na zona do Suz, a importação de trigo e de gado, prometiam uma
empresa com êxito garantido. Alguns triunfos militares e políticos contribuíram,
igualmente, para a persistência da luta no Magrebe. Entre eles figura o
reconhecimento da soberania portuguesa sobre o Algarve de além-mar em África, aceite
por Mulei Xeque, e a existência de um vasto território de mouros de paz junto
das praças de Safim e de Azamor, nas primeiras décadas do século XVI. As
dificuldades na manutenção do império levaram, no tempo de João III, à dolorosa
interrogação sobre o abandono ou a permanência nesse largo rosário de praças fortes
que cingia a costa marroquina. Havia, ainda, alguns mouros convertidos, em
número muito escasso, e judeus atarefados na ligação comercial com o território
marroquino.
A figura principal era a do capitão, nomeado habitualmente por três
anos. Em algumas praças os capitães possuíram o cargo em propriedade por várias
gerações, como os marqueses de Vila Real em Ceuta. O adail era o lugar-tenente do capitão para os assuntos militares.
Outras funções de carácter bélico eram desempenhadas pelo almocadém, pelo anadel,
pelo meirinho do campo, pelo condestável da artilharia, e pelos atalaias, atalhadores, facheiros e escutas. A administração civil era
dirigida pelo contador, alto funcionário
que, em geral, assegurava a interinidade do capitão nas suas ausências ou
morte. Outros funcionários civis eram os escrivães e porteiros dos Contos, os almoxarifes, os recebedores e
escrivães dos almoxarifados, os vedores das obras e os tabeliães. Os juízes estavam
subordinados ao capitão a quem pertencia a regedoria da justiça.
Um dos aspectos preocupantes da administração portuguesa das praças de
África, justamente relevado por Robert Ricard, era a ausência de uma direcção
centralizada. Ao invés do que sucedia no Oriente e no Brasil, nunca se tentou um
comando unificado que coordenasse as acções empreendidas pelos capitães. Estes
agiam de forma isolada e as poucas empresas que realizaram conjuntamente, como a
entrada até Marraquexe feita pelas guarnições de Safim- e de Azamor no tempo de
Nuno Fernandes Ataíde, resultaram de iniciativa limitada e não de uma imposição
superior. O monarca e o governo de Lisboa deviam pensar que aqueles pontos se
encontravam demasiado próximos e que as suas actuações podiam ser comandadas da
capital. Esta impressão não se coadunava com o facto de a administração central
estar assoberbada com a resolução dos problemas das várias parcelas de um
imenso território, além de que as dificuldades das diferentes praças chegavam
ali fragmentadas». In António Dias Farinha, Crónica de Almançor, Sultão de Marrocos
(1578-1603), Investigação Científica Tropical, Lisboa, 1997, ISBN
972-672-864-9.
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