A Época. Os Portugueses em Marrocos no século XVI
«A presença portuguesa em Marrocos durante o século XVI enquadrava-se
no movimento expansionista ibérico e europeu e obedecia a várias motivações. No
plano militar pretendia assegurar posições estratégicas no estreito de
Gibraltar, no mar Mediterrâneo e ao longo da costa ocidental africana. Na
perspectiva política reivindicava a posse das praças africanas como esteio da
independência do Reino e garantia do equilíbrio das forças peninsulares.
NOTA: As razões para a conquista eram outras, visavam o
equilíbrio das forças internacionais. A operação militar é o resultado de uma
estratégia [...] tem em vista assegurar para Portugal uma maior área de
intervenção, para o equilíbrio peninsular ibérico [...]; in História Diplomática Portuguesa, Lisboa,
1987. A importância da posse das praças magrebinas foi ainda mais acentuada a
partir dos finais do século XV. Castela entrou em competição com Portugal pela
conquista da África do Norte e o litígio só foi resolvido graças à assinatura
dos tratados de Alcáçovas-Toledo (1479-1480), de Tordesilhas (1494)
e de Sintra (1509). Nesses acordos foi reconhecido a Portugal o direito de
conquista do reino de Fez. Durante o domínio filipino, o monarca ibérico obliterou
esses convénios e deu ordem a tropas da Coroa de Castela para ocuparem Larache
(1610)
e a Mamora (1614). A rivalidade luso-espanhola pela posse dos territórios
magrebinos subjaz a alguns dos julgamentos de António Saldanha, pelo que a
leitura da Crónica de Almançor exige a consideração desse longo
requisitório.
Na dimensão ideológica persistia no projecto de alargar as fronteiras
cristãs, continuando a obra da Reconquista. Como razões de carácter
económico aduzia a riqueza em cereais, gados e outros produtos das regiões
costeiras de Marrocos e o comércio dos artigos fabricados nas cidades do Magrebe
que eram trocados em diversos lugares do mundo frequentado pelos portugueses,
sobretudo na África Negra. A exploração do ouro do Sudão ocidental, a que as
caravelas já tinham acesso pela costa atlântica de África, ficava quase
reservada a quem dominasse os portos magrebinos. A orla atlântica de Marrocos
não oferecia ancoradouros fáceis à navegação. A costa é pouco recortada e
sujeita a temporais frequentes, os estuários dos numerosos rios que correm das
altas e pluviosas montanhas daquele país são pouco profundos, assoreados,
sujeitos a variações de caudal, causadas quer pela estiagem, quer pelas chuvas
prolongadas. Acrescente-se a circunstância de as marés poderem enganar os
navegadores quanto aos verdadeiros fundos da costa e a existência de recifes em
alguns dos pontos passíveis de aproveitamento portuário.
A região norte, contígua ao estreito de Gibraltar, é extremamente montanhosa.
A passagem por terra de Ceuta a Tânger, apesar da curta distância que as
separa, é empresa que oferece sérias dificuldades e só recentemente foi aberta
uma sinuosa e perigosa estrada. Os numerosos rios que correm para a fachada
atlântica de Marrocos compartimentam o país em províncias e dificultam as
comunicações no sentido dos meridianos, sobretudo na época em que os cursos de
água têm grandes caudais. Vários factores levaram a que o poder gravitasse em
torno de duas cidades: Fez, situada
à latitude de Rabat - Salé, e Marraquexe a sul do paralelo de Safim. A
autoridade política foi frequentemente precária no reino magrebino, devido à
autonomia das várias tribos e à carência de disposições sucessórias claras e de
regras que definissem a legitimidade do exercício do poder político. A luta
contra a presença estrangeira e uma resposta adequada ao desafio daqueles que
pretendiam o acesso ao poder, em especial os morábitos e as confrarias,
impunham a necessidade de manter um exército permanente e de promover campanhas
frequentes contra o inimigo externo e contra as revoltas e conjuras internas.
A actuação portuguesa no Magrebe foi condicionada por aqueles factores,
pela existência de cidades nos lugares considerados relevantes e, ainda, pela
distância aos portos europeus. A conquista, manutenção e desenvolvimento das
várias praças encontrava-se relacionada com o tipo de projecto que imperava na
vida política portuguesa da época. A história da Expansão é indissociável das
vicissitudes do Reino porque é um seu corolário, embora, ao mesmo tempo, tivesse
influência determinante na sua própria evolução. A situação de Ceuta, debruçada
sobre o estreito de Gibraltar e rodeada de montanhas, reforça a insularidade do
local e a sua posição estratégica como chave do Mediterrâneo. O fracasso do
exército português na empresa de Tânger, em 1437, e a não utilização de Ceuta como base de invasão de Marrocos
comprovam esse carácter. A presença cristã naquele país necessitava de nova
base de operações mais largamente aberta para o interior. Quando foi escolhida
a cidade de Tânger, como alvo de uma empresa bélica lusitana, foi valorizada a
existência de uma baía e a comunicação com o sul magrebino por uma larga faixa
de terras baixas ao longo do Atlântico. Apesar dessa situação, Tânger ficava
longe da estrada natural para Fez e os movimentos dos portugueses podiam ser
observados com facilidade. A conquista de Arzila, situada mais a sul, embora
desprovida de porto, permitia o domínio das planícies que se estendiam na
direcção de Alcácer Quibir e do interior de Marrocos». In António Dias Farinha, Crónica de
Almançor, Sultão de Marrocos (1578-1603), Investigação Científica Tropical,
Lisboa, 1997, ISBN 972-672-864-9.
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