Ao mar onde colhi o sal do meu tormento. In Salette
Soneto Pateta I
«Quem
coroou a palavra de corneta
quem
pôs a tormenta na caneta
quem
disse poeta?
Lágrima
sineta
faz
da jumenta cinzenta
esta
violeta.
Quando
baixei os olhos sob o vento
vi-me
estátua na pira arrebatada,
subida
na asa do leão, gloriosa aparecida
desabrochei:
pureza, fome, braços paralelos.
Pairando,
eu era A sem combate,
cabeça
de toiro reclinada
para
além do limite
dos
contrários.
Águia
parada, monstro ferido,
barriga
do céu aberta,
azul,
branco, negro
onde
a noite pariu a luz.
Ó grande
sorriso dos deuses,
apocalíptica
fronteira das estradas
translargada
das sendas e caminhos
onde
há
acidentes
de invenção.
Ó
melódica harmonia, ó sentido
sem
Um nem Outro,
sem
políticas vigias,
nem
desastres
nas
vias
de
Comunicação.
De
que serve opor a norma à norma que a nega,
à
regra uma nova regra,
verdades
contra Verdades
caminhos
contra Caminhos?
A
Harmonia é dos Contrários
e
a escala
a
mesma.
Não
expliques. Antes o caos sem normas,
braços,
pernas, olhos, mãos,
bocejo
de criação,
sem
rei, sem lei, sem programa.
Presença
do escondido
subterra
paradoxo,
memória
feita futuro
sem
gente para lembrar,
ó
antes de se tornar.
Círculo
coincidindo círculo
esconde-me
junto do vento
crisma-me
no meio do mar.
Em
ambas margens do rio
arranca
as nuvens ao sol
e
vem vestir a nudez
da
minha presença terra».
Poema de Salette Tavares, in ‘Espelho Cego’
In
Salette Tavares, Obra Poética, 1957-1971, Biblioteca de Autores Portugueses,
Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1992.
Cortesia
de Aportugueses/JDACT