A Ordem de Avis na Idade Média (contexto histórico). Organização interna da Ordem de Avis
«(…) Só em 1187, e após nova insistência do mestre
Nuno Perez Quifíonez, a Ordem de Cister incorpora definitivamente a milícia.
Com efeito, é a partir de então que o Convento de Calatrava passa a ser
considerado como abadia-filha
de Morimond. Consequentemente, a partir desse momento, todos os membros da
Ordem Militar, cavaleiros ou capelães, passaram a ser monges de Cister e
a serem recebidos como tal em qualquer das suas casas. Esta alteração de
estatuto comprova-se, aliás, pela própria mudança do hábito dos freires. Não é,
portanto, de admirar que a organização do Convento de Calatrava, e consequentemente de Avis, fosse
semelhante à das abadias cistercienses. Assim se poderá explicar o
aparecimento, nas Definições de 1195-1213, dos termos conversus, fratres e monacus,
e clerici. Significa que nos
seus primórdios a Ordem de Avis tinha três tipos de membros, ou seja,
subordinados a três estatutos diferentes. Em princípio, os conversos seriam todos os que, tendo aderido à Ordem, não
haviam recebido as Ordens sacras, distinguindo-se dos restantes habitantes do
convento não só pelo hábito, alimentação, etc., mas sobretudo pelo menor poder
que gozavam relativamente aos monges. Assim sendo, o termo conversus será sinónimo de fratres laici.
Nada na documentação
avulsa analisada nos garante a presença de conversos tanto em Calatrava
como em Avis, ao contrário do que se passa com os familiares
que, aliás, não são referidos nas Definições de finais do século XII. Em
Calatrava foi prática corrente até à segunda metade do século XIII
receber familiares, isto é, leigos que, não tendo professado, aderiam à Ordem
entregando-lhe parte de todos os seus bens a troco de protecção e benefícios
espirituais. Na Ordem de Avis, em inícios do século XIV, esta prática ainda subsistia:
existe no Cartório de Avis um documento de Março de 1307 no qual o mestre e o Convento recebem como familiar João
Barão, com a condição de os bens de raiz deste ficarem para a Ordem, a troco de uma ração diária de pão, vinho, carne
e pescado igual à de um freire. Monacus
seriam os membros de pleno direito
dentro do Convento, sujeitos a deveres e a obrigações, mas podendo gozar da
totalidade dos privilégios da milícia. Recebiam a prima tonsura e talvez
também as restantes ordens sacras menores. Alguns destes ascendiam ao
presbiterado, respondendo às necessidades espirituais da Ordem. São os clerici ou capelani (nome que lhes é atribuído nas Formas de Vida).
São apenas estes últimos que a bibliografia refere como freires clérigos. A ter
existido essa diferença, seriam estes últimos os encarregados do serviço
divino.
Parece-nos que o
estatuto dos membros da Ordem deverá ter evoluído no sentido de existirem
unicamente estes dois tipos de freires:
- os que tinham apenas entrado para a Ordem e recebido uma ou mais ordens sacras menores (freires cavaleiros, assim lhes chama Cocheril);
- os que para além da profissão que haviam feito, receberem também ordens sacras maiores (freires clérigos).
Destes, alguns
ascenderiam ao presbiterado. A ter-se verificado esta situação, ela poderá ter
sido paralela à das outras ordens (não militares), onde os religiosos recebiam
ordens conforme as necessidades da comunidade e os serviços que tinham que
executar. Um outro problema, para o qual dispomos, felizmente, de informações mais
precisas, é o das obrigações dos membros da Ordem. Sabemos que todos os freires
entravam para a milícia após um ano de noviciado, mediante a formulação de três
votos: pobreza, castidade e obediência. Estes conselhos
evangélicos não eram, evidentemente, exclusivos desta e das outras ordens
militares: com efeito, são comuns a todas as comunidades religiosas cristãs,
mas adquirem nas milícias um significado ligeiramente distinto. O voto de
pobreza, consignado já na Regra de São Bento, foi determinado por
Inocêncio III logo em 1199: omnia debent esse communia. Esta
regra aparece como que reafirmada nas Definições de 1341, onde se proíbe
qualquer freire de fazer testamento, sob pena de perder o cavalo e as armas,
atributo da maior importância para qualquer membro de uma Ordem militar.
O voto de castidade foi
imposto por Cister a Calatrava na primeira carta que lhe enviou em 1164, frei Gilberto e o capítulo
cisterciense foram claros quanto a esta norma, que deveria ser rigorosamente
observada. A sua infracção era severamente punida: os culpados seriam
destituídos dos seus cargos, se os tivessem, e enviados para um convento da
Ordem ou para uma abadia de Cister, onde ficariam condenados a pão seco e água,
e, em alguns casos, encarcerados. O terceiro voto, de obediência,
decorre da própria organização religiosa e militar. A primeira Forma
Vivendi dada a frei Garcia, mestre de Calatrava, diz expressamente que
a desobediência ao mestre seria castigada com a suspensão do uso de armas e
cavalo durante seis meses. Em 1341 a
violação desta norma era considerada como conspiração e como tal seria julgada.
Estes três votos eram feitos pelos noviços numa cerimónia presidida pelo mestre,
aquando da entrega do hábito. A partir de então, cada um passava a ser um
freire associando a vida religiosa à luta contra os infiéis.
Entravam, assim, no
âmbito da ordem de Cister, de cujo modo de vida apenas diferiam pela sua
condição de militares. Assim se entende que as primeiras Formae Vivendi
bem como as Bulas de confirmação praticamente apenas se refiram às
particularidades de alimentação e vestuário dos freires das Ordens militares.
Quanto ao primeiro aspecto, sabe-se que as normas não eram tão rigorosas para
os cavaleiros como para os professos nas abadias: podiam comer carne três vezes por semana e o jejum, obrigatório para
todos os que vivessem no convento durante um período determinado do ano, podia
ser adiado para quando o mestre achasse mais conveniente no caso de se
encontrarem no campo de batalha». In Maria Cristina A. Cunha, Estudos
sobre a Ordem de Avis, séculos XII-XV, Faculdade de Letras, Biblioteca Digital,
Porto, 2009.
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