Trajecto
«Na vertigem do oceano
vagueio,
sou ave que com o seu voo
se embriaga.
Atravesso o reverso do céu
e num instante
eleva-se o meu coração sem peso.
Como a desamparada pluma
subo ao reino da inconstância
para alojar a palavra inquieta.
Na distância que percorro
eu mudo de ser,
permuto de existência,
surpreendo os homens
na sua secreta obscuridade,
transito por quartos
de cortinados desbotados
e nas calcinadas mãos
que esculpiram o mundo,
estremeço como quem desabotoa
a primeira nudez de uma mulher».
Manhã
«Estou,
e num breve instante
sinto tudo,
sinto-me tudo.
Deito-me no meu corpo
e despeço-me de mim
para me encontrar
no próximo olhar.
Ausento-me da morte
não quero nada,
eu sou tudo
respiro-me até à exaustão».
«Nada me alimenta
porque sou feito de todas as coisas
e adormeço onde tombam a luz e a poeira
A vida (ensinaram-me assim)
deve ser bebida
quando os lábios estiverem já mortos.
Educadamente
mortos».
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