sábado, 10 de outubro de 2015

A Infanta dona Maria e o seu Tempo. Américo C. Ramalho. «A Infanta dona Maria foi o último dos filhos do rei Manuel I. Era cerca de vinte anos mais nova do que seu irmão, o rei João III. Por outro lado, sua mãe, a rainha dona Leonor de Áustria, terceira mulher de seu pai, fora a noiva destinada a esse irmão…»

Cortesia de wikipedia

«Conferência lida em 7 de Junho de 1986 na sessão solene de entrega dos diplomas aos primeiros licenciados do Curso de Humanidades do Centro de Viseu da Universidade Católica Portuguesa, cerimónia a que presidiu o bispo de Viseu, José Pedro Silva, presidente da Comissão Administrativa do mesmo Centro. A Infanta dona Maria foi senhora de Viseu. O investigador viseense Alexandre Lucena Vale, No Quarto Centenário de João de Barros, Edição da Junta Distrital de Viseu, 1970, mostrou que o Panegírico da Infanta dona Maria, de João de Barros, foi composto na altura em que João III conferiu a sua irmã o senhorio de Viseu, por volta de 1546. Um esboço da presente conferência foi lido na Escola Secundária Infanta dona Maria, em Coimbra, em 19.2.1986»

«A Infanta dona Maria foi o último dos filhos do rei Manuel I. Era cerca de vinte anos mais nova do que seu irmão, o rei João III. Por outro lado, sua mãe, a rainha dona Leonor de Áustria, terceira mulher de seu pai, fora a noiva destinada a esse irmão mais velho, da qual o pai de ambos, o rei Manuel I, se apossou para si, intrigando junto da corte de Carlos V, irmão de dona Leonor, por intermédio de um emissário de confiança e com o auxílio de presentes aos participantes nas negociações. O príncipe João, futuro João III, viu chegar a madrasta, com alguma revolta contra as intrigas de seu pai que o fizera apresentar à sua prometida como um idiota. Esta, ao chegar a Portugal, deu-se conta do logro e terá perguntado, quando lho apresentaram: Es este, el bovo?
O príncipe D. João era um rapaz desempenado e de agradável aparência. De idiota não tinha nada, mas aprendeu cedo a ser dissimulado e hipócrita. Entretanto, a jovem rainha dona Leonor, com vinte e um anos, casada com Manuel I, cerca de trinta anos mais velho, começou a ter filhos, segundo o provérbio popular de que homem velho e melher nova, filhos até à cova. Nos dois anos em que estiveram casados, de fins de Novembro de 1518 a 13 de Dezembro de 1521 em que Manuel I morreu, tiveram dois filhos: o infante Carlos (18.2.1520 - 15.4.1521) que viveu pouco mais de um ano e a infanta dona Maria, nascida em Lisboa, em 8 de Junho de 1521. Quando seu pai faleceu, tinha, portanto, a infanta seis meses de idade.
Após a morte de Manuel I, uma onda de simpatia romântica parece ter-se desencadeado na corte portuguesa. Muitos queriam que o jovem rei e sua jovem madrasta casassem. Entre o povo, que era no fundo quem pagava os casamentos reais com os tributos extraordinários que para o efeito lhe eram pedidos, além da simpatia pelos dois jovens, havia a preocupação com o dote da rainha que teria de ser restituído, se ela não casasse com o príncipe. Estas considerações materiais eram tão importantes, que o mais qualificado representante da nobreza, o duque de Bragança, Jaime, foi um dos que advogaram o casamento de João III com dona Leonor.
A rainha olhava o enteado, e a hipótese do casamento, com visível aprovação. E a afeição do jovem monarca pela madrasta não era segredo para ninguém. Se tivessem casado, dona Leonor seria mulher depois de ter sido madrasta. E a infanta dona Maria tornar-se-ia enteada, além de ser irmã. Todavia, João III teve escrúpulos e preferiu não casar. Mas o envolvimento romântico entre ele e a madrasta existiu e chegou mesmo às páginas dos cronistas, normalmente discretos, nestas coisas de decoro real. Veja-se, por exemplo, o capítulo duodécimo da parte I dos Anais de D. João III de frei Luís Sousa.
Por fim, a rainha dona Leonor partiu, depois de lutar arduamente para levar consigo a infantinha sua filha. Lutaram ela e seu irmão Carlos que, além de rei de Espanha, era desde Outubro de 1521 imperador da Alemanha. João III não cedeu e a infanta ficou em Portugal. Já então as razões económicas devem ter pesado nesta decisão do rei. A infanta, pelo contrato de casamento de sua mãe, tinha direito a uma elevada soma e ficava herdeira de seu pai e dos rendimentos permanentes que a sua mãe eram devidos dos bens que, por força do contrato matrimonial, herdara no nosso país. Além disso, e para não falar só de dinheiro, estava na linha de sucessão do trono português. As questões materiais e no seu caso, por ironia do destino, a afluência, e não o contrário, virão a ser determinantes nas vicissitudes da vida da Infanta dona Maria. Seu irmão, o rei, casará com dona Catarina, irmã mais nova de sua mãe, em 5 de Fevereiro de 1525 e, aos quatro anos de idade, a pequena infanta dona Maria fica, assim, com uma mãe adoptiva que será simultaneamente sua tia e sua cunhada. João III considerar-se-á sempre como seu pai adoptivo, e é de crer que lhe fosse afeiçoado, mas na prática olhará sobre aos seus interesses pessoais e aos da família que acabava de constituir». In Américo Costa Ramalho, A Infanta dona Maria e o seu Tempo, Revista Humanitas, volume XXXVII-XXXVIII, 1985-1986, Universidade de Coimbra.

Cortesia da UCoimbra/JDACT