«Conheci José Carlos Ferreira de Almeida
em 1957, quando começou a ser meu
aluno no 4.º ano de Direito. Regia eu, então, não só a minha cadeira de Direito
Processual Civil, mas também o curso de Direitos Reais, este último em razão da
carência de pessoal docente com que a minha Faculdade se debatia. O José Carlos
e o seu condiscípulo e grande amigo Sérvulo Correia propuseram-se publicar
as minhas lições desta disciplina; e daí nasceu entre nós um contacto permanente
e apertado, que logo me fez conhecer as suas excepcionais qualidades de inteligência,
a sua probidade intelectual, o seu amor ao estudo, a sua invulgar cultura e, acima
de tudo, os primores do seu carácter. Fiquei a tributar-lhe uma amizade que se
manteve até ao fim da sua curta vida e que ainda perdura, para além da sua morte,
agora pelo poder mágico da saudade.
Tive sempre a preocupação de despertar
nos meus discípulos o entusiasmo pelos estudos de Direito Processual. Esta matéria,
cuja dignidade científica só há pouco foi reconhecida, está em plena elaboração
e oferece, por isso mesmo, um campo vastíssimo à curiosidade dos investigadores.
Não me foi difícil comunicar a José C. Ferreira Almeida o gosto pelos
problemas do processo civil; mas surpreendeu-me a maturidade que revelou em dois
trabalhos sobre temas da maior complexidade. No primeiro, já, publicado na Revista
da Faculdade, abordava O Problema do
Processo sem Lide no Direito Processual Civil Português. Logo de
entrada José Carlos escreveu nesse trabalho ser ele o fruto das leituras e da meditação a que durante meses consagrava todas
as horas livres de outras prementes obrigações escolares.
Confissão enternecedora, por comprovar,
a um tempo, o seu gosto pela disciplina e a sua devoção à ciência. Sabida como é
a subtileza do tema, iluminado com invulgar fulgor pelo génio jurídico de Carnelutti,
qualquer se apercebe de que aos vinte anos só um escolar dotado de aptidões invulgares
conseguiria tratá-lo da forma brilhante por que o fez José Ferreira de Almeida.
Os louros académicos que com a sua dissertação justamente colheu incitaram-no, porém,
a prosseguir na senda que iniciara; e no seu 5.º ano elaborou o seu segundo trabalho,
também da maior valia, sobre O Problema
da Natureza e Função do Título Executivo. A Revista da Faculdade
vai igualmente dá-lo à estampa, porque lástima seria que ficasse conhecido apenas
de raros; e então verá o público ledor a agilidade intelectual com que José Ferreira
Almeida se movia na discussão de matéria tão difícil e como ele dominava a doutrina
elaborada à sua volta, revelando o seu profundo e ponderado conhecimento.
Não será porventura plausível o conceito
defendido por José Carlos sobre a função do título executivo; mas o certo é que
ele nos deixou uma contribuição para o estudo do problema que não pode ser esquecida.
Nestas linhas breves e comovidas deixo o retrato do meu aluno José Carlos Ferreira
Almeida. Mas algo tenho de acrescentar, com mal contida emoção. Finda a sua licenciatura,
José Ferreira Almeida quis inscrever-se na Ordem dos Advogados e deu-me a honra
de pedir-me que no meu escritório o recebesse para fazer o seu tirocínio. Foi um
estagiário exemplar. A sua simpatia irradiante, a sua correcção, a sua argúcia,
logo conquistaram todos os meus companheiros de trabalho breve espaço em que foi
um dos do nosso grupo. Andava então a preparar a dissertação que iria apresentar
no exame do Curso Complementar de Ciências Jurídicas; e ainda para ela escolhera
um tema de processo civil que eu próprio lhe indicara: O Processo Arbitral». In Adelino Palma Carlos, José Carlos
Ferreira Almeida, In Memoriam, Vários Autores, Neogravura1968.
Cortesia
de Memoriam/Neogravura/JDACT