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«(…) Acariciou satisfeito a barba
e saiu da sala. Uma lufada de calor romano atingiu-o em pleno. Desceu a escadaria
do palácio São Carlos, tão perto do pátio São Dâmaso que quase parecia ouvir os
sussurros das personalidades à espera do comandante da Guarda Suíça para iniciar
a cerimónia de juramento. Todos os anos, desde 1527, no dia 6 de Maio, os novos
recrutas da Guarda Suíça prestam o seu juramento. Naquele ano, isso não aconteceu.
Janeiro, quatro meses antes da morte
de Weistaler O automóvel tinha parado, sem desligar o motor, junto ao passeio da
Piazza Castello. Nevava. Era 4 de Janeiro e Curt Weistaler estava sentado no
banco à espera de que, da penumbra de umas arcadas, aparecesse uma figura
humana. Tinha anoitecido há pouco tempo e a neve, que durante toda a tarde tinha
poupado Turim, começava a depositar-se nas ruas e nos tectos das casas com maior
insistência. A porta de trás do Audi abriu-se e entrou um jovem com cabelo ruivo.
Estes são os códigos de acesso de hoje, declarou sem sequer cumprimentar. O rapaz
mostrou a Weistaler um bocado de plástico preto, do tamanho de uma unha. Antes de
estender a mão, aquele quer apenas dois meses depois, se tornaria o novo
comandante da Guarda Suíça Pontifícia observou bem o jovem: tinha um impermeável
azul, completamento gasto no pescoço e nos cotovelos, e o rosto tapado por um volumoso
lenço cor de cereja. O cabelo era curto e os olhos azuis-claros sobressaíam por
cima do lenço. Não tinha nada de interessante para oferecer.
Weistaler pega no cartão de memória
micro SD, tendo o cuidado de não tocar na mão do rapaz, e enfiou-o no respectivo
slot do seu fiel amigo Next M1, o smartphone do qual nunca se separava. Foram apenas
necessários alguns segundos para obter a resposta de que estava à procura: o
ecrã iluminou-se e apareceu automaticamente a imagem de uma pequena aplicação de
verificação. Parecia tudo certo. Espera aqui!, ordenou num italiano com forte sotaque
germânico. Saiu do automóvel para confirmar se ninguém tinha seguido o Vermelho
e, quase escorregando na neve que tinha coberto o passeio, foi abrir o porta-bagagem
do Audi. Retirou de lá um envelope de plástico, deu novamente a volta ao carro e
sentou-se no banco do condutor. Sabes qual é a coisa mais importante?, perguntou
ao jovem, observando-o do retrovisor. Imagino que seja a discrição, respondeu
secamente o rapaz com cabelo ruivo.
Não era muito atraente, mas parecia
esperto. Era funcionário num belo edifício que dava para a Piazza de San Giovanni.
Sabia observar e memorizar, e aquilo que Weistaler viu nele tinha já sido pago com
dois códigos alfanuméricos com dezasseis números cada um. Lembra-te de que sei onde
te encontrar. Naquele momento, voltou-se e fitou-o olhos nos olhos. O rapaz não
pareceu ficar nada intimidado e estendeu-lhe a mão. Weistaler, depois de uma
fingida hesitação, colocou-lhe na mão o envelope que tinha retirado do porta-bagagem.
Nunca o vi, confirmou o jovem sorrindo, enquanto verificava rapidamente o conteúdo
do envelope. Quando teve a certeza de ter obtido aquilo que tinha pedido saiu do
automóvel, com a mesma discrição de quando chegou, e desapareceu por debaixo das
arcadas da Piazza de Castello. Weistaler ficou ainda entretido por alguns instantes
com o telefone. Depois desligou-o e colocou-o no bolso do blusão. Engatou a mudança
, e o Audi seguiu pela via Pietro Micca. A geometria das ruas de Turim
lembrava-lhe um pouco as de Nova Iorque: todas as ruas formavam um quadriculado
de verticais e horizontais, e as estradas que atravessavam a cidade em diagonal,
como a Broadway da Grande Maçã, eram poucas. Uma delas era a via Micca. Percorreu-a
toda, deslizando sobre a neve, depois virou em direcção à catedral». In GL
Barone, Conspiração no Vaticano, 2013, Casa das Letras, 2013, ISBN
978-972-462-197-5.
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