sábado, 3 de novembro de 2012

Embaixada de D. João V de Portugal ao Imperador Yongheng, da China, 1725-1728. «De resto, os objectivos das felicitações e dos pêsames eram os únicos que podiam ser claramente manifestos. Os outros deviam permanecer tacitamente filtrados através da diplomacia do embaixador e o último tinha que ficar tão oculto…»

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«Examinadas as múltiplas razões que moveram os passos da coroa portuguesa para o Nascente parece claro que o ‘mimo’, como declara abertamente Francisco Xavier da Rua, secretário de Metelo, constituía só um pretexto: ‘sendo um dos fins desta diligência, além de outros mais superiores’.
De resto, João V não ia gastar enormes fundos monetários só para entregar uma oferta ao imperador: ’tendo Vossa Magestade mandado deregir hua acsão de tanta despeza para o que fosse comduzente a favor da propagação Evangelica’.
Com efeito, Alexandre Metelo chega a utilizar para esta embaixada, além dos cruzados da coroa portuguesa, ‘todos os meios de que dispunha o Senado’ da câmara macaense e todos os rendimentos de uma ‘especie de banco de seguros ultramarinos a juro de 20 por cento’, que se tinha criado em Macau e que conferira uma certa estabilidade e prosperidade à Cidade do Nome de Deus de Macau. A questão do ‘mimo’, não consegue enganar evidentemente o imperador, que, segundo nos relata Francisco Xavier da Rua, transcrevendo uma carta do padre Parrenin, ao saber que o embaixador vinha agradecer o presente do pai, alterando a voz, perspicazmente afirma:
  • ‘Esse ponto vos não pertence a vós eu fiz tudo pela minha honra, e não pela vossa.’
De resto, os objectivos das felicitações e dos pêsames eram os únicos que podiam ser claramente manifestos. Os outros deviam permanecer tacitamente filtrados através da diplomacia do embaixador e o último tinha que ficar tão oculto que nem os missionários o podiam conhecer:
  • ‘esta pratica tinha eu sem intrevemsão de misionario algum, asim porque eu lhes queria ocultar a elles, como porque se não entrase na descomfiamsa de que erão elles os motores do meu intento’.
O fim desta embaixada resulta portanto ser ‘hum importante negocio, de que se não rompeu o segredo’, e que hoje, só depois duma atenta leitura dos documentos ainda inéditos de Évora e de Braga, sobre esta embaixada, sabemos coincidir com a defesa do padroado da coroa portuguesa; apanágio que se entrelaça evidentemente com toda a contenda dos termos chineses que levou à tão complexa querelle dos ritos. Os jesuítas portugueses, segundo o parecer do rei e o referido pelo embaixador, eram os únicos que, graças a uma sensibilidade cultural obtida em longos anos de permanência no velho Catai, podiam garantir ao mesmo tempo a presença da fé cristã e a conservação moderada dos ritos chineses tão combatidos pelo papado. Pedindo ao imperador que fosse ele a exigir que a entrada dos missionários na China passasse através da ’joeira’, lusitana, a coroa portuguesa teria obtido o duplo efeito de manter a própria posição soberana no Oriente e de preservar a cultura chinesa de interferências religiosas para ela desagradáveis. O rei João V pretendeu com esta embaixada, reconstituir o processo de aceitação daquelas praxes religiosas chinesas que, em sua opinião (e só após muito tempo reconhecidas também pela Igreja), não comprometiam a difusão do Evangelho; recompor o tecido dilacerado da convivência das duas religiões; restaurar aquela confiança na instituição católica que tinha totalmente desaparecido depois das intervenções de Tournon e Mezzabarba. Os mandarins, aos quais o embaixador teve de referir previamente os conteúdos das audiências imperiais, perante a proposta da introdução de um sistema burocrático que obrigasse os missionários a pedir licença à coroa portuguesa para a entrada no Celeste Império, duvidaram que os mesmos lusitanos fossem capazes de controlar o sistema que eles queriam instituir. Mas a esta perplexidade respondeu o embaixador que ‘os Reynos da Europa tinhão fasil comunicação entre si, e que livremente entravão os vasallos de hum em outros, e que as relligioins ainda que estivessem em diferentes Reynos se comunicavão por via dos Prellados, e que por estes se podia tirar informasão dos sogeitos’.


Além disso, Alexandre Metelo sublinha com habilidade a importância e a grande utilidade de que se revestem os religiosos nos países europeus, onde os padres têm a obrigação de fidelidade aos governos sob os quais efectuam o serviço:
  • diselhe tambem, dos pregadores, e confesores na Europa,que herão o mezmo que Missionarios na China, fazião hum grande serviço aos Monarcas, porque na doctrina Evangelica que insinuavão aos vasallos, se imvolviam os melhores preseitos do governo politico, na obediencia e fidellidade do Primsepe, e na caridade e verdade com os proximos, e que se o lmperador soubesse a grande utellidade publica que com esta dotrina tinhão os povos, hera de prezumir se aproveitase dos misionarios, como os reis da Europa se aproveitavão’.
In Mariagrazia Russo, Embaixada de D. João V de Portugal ao Imperador Yongheng, da China, 1725-1728, Fundação Oriente, 2005, António V. Saldanha, 2005, ISBN 972-785-083-9.

continua
Cortesia de F. Oriente/JDACT