sábado, 3 de novembro de 2012

O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa: Carl Erdmann. «Mas temos um privilégio também datado de 26 de Maio de 1135, no qual o bispo de Coimbra é admitido sob a protecção da Santa Sé, e bem podemos interpretar este documento como reconhecimento significativo da situação de facto existente»

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Inocêncio II e o juramento de vassalagem de Afonso Henriques
«Decisivo foi porém o facto de João Peculiar resolver colocar o mosteiro sob a protecção da Santa Sé, como tributário dela. Como isto dava oportunidade de regular também a situação do bispado de Coimbra, tanto Afonso Henriques como o bispo Bernardo concordaram com o plano, e assim se dirigiu João Peculiar na companhia de Telo e do diácono Domingos o provido de cartas do príncipe ao bispo, na Primavera de 1135, para Pisa, onde então residia Inocêncio II.
Sobre as negociações lá levadas a cabo sabemos apenes que o cardeal-diácono Guido de Santa Sé. Cosmo e Damião, personalidade importante, já então se interessou pelos cónegos de Santa Cruz. O resultado encontra-se em quatro documentos. Inocêncio II soube apreciar a aquisição dum convento tributário em Portugal; bem se sentia tal falta, pois até então nunca o papado tinha exercido acção e influência directas sobre os conventos portugueses. Assim conferiu ele em 26 de Maio de 1135 o desejado privilégio, estabelecendo um censo anual de dois bizantinos. Talvez fosse também já então em Pisa combinado que o novo convento da congregação de S. Rufo lhe fosse anexado, como de facto os enviados logo fizeram, mal regressaram a Portugal. Também por este meio Santa Cruz foi levada mais para dentro da órbita da igreja romana e se começou nova organização do sistema conventual português. Isto pareceu ao papa bastante importante, para que também por seu lado fizesse a concessão que se esperava dele na questão do bispado de Coimbra.
Inocêncio II havia até então reconhecido as pretensões do arcebispo de Santiago ao importante bispado português e combatido e condenado a submissão a Braga de facto existente. Que isto fosse expressamente revogado, nenhum documento nos autoriza a admitir. Mas temos um privilégio também datado de 26 de Maio de 1135, no qual o bispo de Coimbra é admitido sob a protecção da Santa Sé, e bem podemos interpretar este documento como reconhecimento significativo da situação de facto existente. Pois numa, carta anexa dirigida a Afonso Henriques diz o papa que acedeu a favor do bispado de Coimbra aos pedidos do príncipe e que deseja deste, como compensação, pro b. petri reverentia protecção especial a favor de Santa Cruz.


Aqui vê-se claramente que a protecção concedida ao novo mosteiro e a sua dependência directa da Igreja de Roma foi dádiva feita ao papa, e que se tratou dum do ut des. A Cúria romana ganhava aumento de influência; Portugal conseguia em compensação o bispado de Coimbra para Braga, Metrópole nacional. Assim tirou João Peculiar resultado satisfatório desta sua primeira viagem a Roma.
Com pequeno esforço e sem intervenção da Cúria, conseguiu-se um ano mais tarde fazer entrar na Província eclesiástica de Braga o bispado do Porto. É que aqui a dificuldade a vencer era essencialmente apenas de carácter pessoal, visto que o bispo Hugo do Porto sempre fora do partido de Santiago e de harmonia com isso conseguira isenção para o seu bispado.
Ora, quando o bispo Hugo faleceu em 1136, promoveu Afonso Henriques a ocupação da sé vacante por João Peculiar, (já no concílio de Burgos em 4 de Outubro de 1136 aparece João Peculiar como bispo eleito) e desde então nunca mais se verificaram vestígios de situação isenta do Porto. Assim haviam voltado os bispos portugueses a estar sob direcção comum, restabelecendo-se a situação existente no tempo do arcebispo S. Geraldo». In Carl Erdmann, O Papado e Portugal no primeiro século da História Portuguesa, Universidade de Coimbra, Instituto Alemão da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 1935.

Cortesia de Separata do Boletim do Instituto Alemão/JDACT