sexta-feira, 2 de novembro de 2012

O Paradoxo da Sabedoria. Elkhonon Goldberg. «… a ‘motivação’ e a ‘capacidade de nos centrarmos num objectivo sublime’, eram também atributos com base biológica, pelo menos em parte, e que uma das razões pelas quais as pessoas diferem nestas características se deve ao facto de os seus cérebros serem diferentes»

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A Vida do Cérebro
«A maior parte das pessoas não pensa na sabedoria ou, em moldes similares, na competência ou na perícia como categorias biológicas, no entanto, elas inserem-se nesse grupo. A maioria das pessoas compreende, em termos vagos e genéricos, que a nossa mente é o produto do nosso cérebro. Mas não é assim tão simples perceber quão íntima é essa relação, Apesar de reconhecem a relação entre a mente e o cérebro como uma proposição abstracta, a maioria das pessoas não a entende como algo quotidiano. Trata-se de um vestígio recalcitrante do ‘dualismo mente-corpo’, uma doutrina filosófica intimamente associada ao nome de René Descartes, muito embora alguns alunos de Filosofia digam que é uma associação injusta, segundo a qual o cérebro e a mente estão separados e a emente existe independentemente do corpo. Inúmeros livros foram escritos sobre este assunto, incluindo as excelentes obras ‘O Erro de Descartes’, de António Damásio, e ‘The Blank Slate’, de Steven Pinker. A inabilidade secular em reter a ideia de que a mente é produto do corpo inspirou imagens duradouras do homúnculo, uma pequena criatura dentro do nosso cérebro que realiza a árdua tarefa de pensar, e a do ‘fantasma dentro da máquina’.
No livro, ‘The Executive Brain’, lamentei o facto de, apesar de ‘actualmenre uma sociedade literata já não acreditar no dualismo cartesiano entre o corpo e a mente, nos libertarmos por fases dos vestígios da velha concepção errada’ e continuarmos a ter dificuldade em subscrever completamente a ideia da unidade cérebro-mente quando nos debruçamos sobre a vida mental em todo o seu espectro.
Fiquei surpreendido, mesmo chocado, ao descobrir quão frágil e superficial é tantas vezes esta noção. Tornou-se flagrante quando, há poucos anos, eu e alguns colegas decidimos levar a cabo uma série de palestras de esclarecimento sobre o cérebro intitulada ‘O Instinto da Mente e do Cérebro’. O propósito destas palestras era informar o público em geral acerca dos aspectos básicos da neurologia, das perturbações que afectam o cérebro, da forma como podem atacar a mente e também sobre os actuais tratamentos para as diversas desordens cerebrais. Para nosso grande espanto, a reacção do público foi muitas vezes a de incompreensão.
  • O que é que a mente tem a ver com o cérebro? Foi a questão retórica que ouvi mais do que uma vez, para minha descrença absoluta. De forma similar, quando mencionei o cérebro numa palestra pública sobre a memória, surgiu entre a assistência uma questão, num tom de consternação e não tanto de curiosidade genuína: O que é que a memória tem a ver com o cérebro?
Porém, ainda mais incrível foi a incompreensão similar demonstrada por um público muito mais elitista com que me deparei quando fui convidado a participar num simpósio com muitos patrocínios dedicado aos segredos dos feitos extraordinários. O painel do simpósio era constituído por homens de sucesso, cientistas de renome mundial, líderes empresariais, campeões olímpicos, artistas famosos e destacadas figuras políticas. Um a um, estes incontestados ‘campeões’ nas suas áreas de desempenho desfilaram pelo pódio partilhando o seu discernimento sobre os segredos dos seus próprios feitos. Estabeleceu-se rapidamente o consenso de que a chave para o sucesso era a convergência de dois factores: o talento numa área específica foi identificado unanimemente como uma das razões do sucesso. A presença de certos traços de personalidade, tais como a motivação e a capacidade de concentração num objectivo distante no tempo, foi identificada, com igual unanimidade, como o segundo factor. Os participantes no simpósio concordaram que, sem um talento especial, não pode existir qualquer proeza significativa e que este talento especial é algo que nasce com cada um, o destino biológico de poucos. Sobretudo, todos aceitaram como um dado adquirido que o trabalho árduo por si só não torna uma pessoa num Mozart, num Shakespeare ou num Einstein. Os outros ingredientes para alcançar um sucesso excepcional a motivação e ambição, ficavam ao critério do indivíduo, tal como foi defendido consecutivamente por cada um dos oradores, como se as pessoas em causa fossem entidades platónicas e etéreas.
Quando chegou a minha vez, tentei transmitir a ideia de que a ‘motivação’ e a ‘capacidade de nos centrarmos num objectivo sublime’, eram também atributos com base biológica, pelo menos em parte, e que uma das razões pelas quais as pessoas diferem nestas características se deve ao facto de os seus cérebros serem diferentes. A personalidade, afirmei tal como anteriormente diante de públicos diversos, não é uma característica ‘extracraniana’. É um produto do próprio cérebro». In Elkhonon Goldberg, O Paradoxo da Sabedoria, 2005, Forum da Ciência, PE-A, 2008, ISBN 978-972-1-05857-6.

Cortesia de PE-A/JDACT