(continuação)
O Tempo e o Movimento
«Um só acordou do erro, um só saltou do leito onde conubiava
adulterinamente com a ilusão. Chamava-se Ega de Queirós e arrependeu-se, escrevendo
um testamento espiritual de opção, de retorno e de reinstauração da visão
própria. O escrito veio titulado A Cidade e as Serras. Não era tarde,
embora também já não fosse cedo.
A questão grave que depende de tal livro é esta:
- para ser nação, um país carece de cidades? E se tudo for terra, terra onde os homens vivam produtivamente e suficientemente, comungando na riqueza dos grandes bens, que nunca se gastam, em vez de, sôfregos, se alhearem nos bens que se gastam?
A revolução industrial abrira um processo que se tornava impossível
deter, por isso iria até ao fim. Empobrecimento das nações ricas, e destruição
dos bens naturais: terras e mares,
montes e fontes, prados e rios. A ecologia não surgiu como ciência; foi
apenas o choro dos que, tendo partilhado do banquete de rapina, viram que,
afinal, haviam destruído, comendo, o pouco que havia. Na catequese genesíaca, o
Criador ensinou que o homem podia dominar, servir como Senhor as
criaturas, mas nunca ensinou a abusar delas. É justa a salvação do homem, mas é
por igual justa a salvação das espécies criadas.
Os movimentos intelectuais dos países da revolução industrial foram, na
sua quase totalidade, citadinos e urbanistas. O único movimento que se
identificou em Portugal com eles foi o de 1870,
em Casino
elaborado. Nascia de uma desfocagem, e de um trauma: o da incapacidade de assumir o próprio
ser. O fim do século, como todos os fins de séculos, punha na frente
dos homens a interrogação sobre o dobrar do tempo. Transitar de oitocentos para
novecentos é como que atingir o milénio, porque se inicia a centúria. No fim
dos séculos, e no princípio dos séculos, sempre se atende a mudança, o aperfeiçoamento;
por isso, as revoluções, as renovadas esperanças.
O tempo que vai de 1910 a 1930 é um tempo de revoluções: República,
Primeira Guerra, 28 de Maio, implantação social do Comunismo,
do Fascismo e do Nazismo. Expansão do Pan-Arabismo e do Sionismo. Assunção
ocidentalista da China, e o mais, que já pouco importa. As revoluções são
feitas, porém, por homens desumanizados, em geral políticos, militares, e
alguns intelectuais, mercenários de ambos. Ou seja, não são revoluções. A re-volução, assente no substantivo volução,
significa:
- retoma do movimento, movimento novo, marcha para o mundo novo.
Ora, o mundo novo não se projecta sem pensamento e sem imaginação e,
como é óbvio, pensamento e imaginação, carismas que sejam, não se ajeitam, nem
aos militares, nem aos políticos, seres manobradores, jamais seres pensadores.
A República Portuguesa de 1910
nasceu desse conluio entre militares e políticos desfasados do país real e do
país régio, aconselhados por intelectuais pobres, entre os quais havia alguns
ricos, que logo se emanciparam, e foram pensar a verdadeira revolução para o
exílio.
A sílaba Re- do substantivo República não tem valor análogo ao
do prefixo re- de restaurar. Além, Re-
(Res, Rei,) é coisa, de
onde República,
Respublica,
ser a coisa pública. É um dado
estático, sem consonância de movimento progressivo. É como ter um lameiro, ou
uma quinta. O Estado possui a República, a cousa pública. Possui-a, isto é,
usa-a, e abusa-a. De um modo geral, as chamadas revoluções portuguesas cifraram-se
num abuso do património nacional.
A revolução é interior. Ocorre como se estivesse fora do tempo, no coração
e na mente do povo, que através da revolução, melhora o ser, e aperfeiçoa o pensar. Esta revolução não ocorre em
datas, mas ocorre no movimento do homem. Por isso, o povo, mais ciente do real,
diz o 5 de Outubro, o 28 de Maio, o 25 de Abril, designando e apontando datas que alteraram uma
situação política, mas que não foram revoluções, que não transformaram a
comunidade». In Pinharanda Gomes, A Teologia de Leonardo Coimbra, Guimarães
Editores, Colecção Filosofia e Ensaios, Lisboa, 1985.
Cortesia de Guimarães Edt./JDACT