sábado, 16 de março de 2013

História da Civilização Ibérica. Oliveira Martins. «O cultismo dessas raças mais artistas do que pensadoras, mais curiosas do que investigadoras, literatas e requintadas, para quem a imaginação é quase tudo e o exercício da razão apenas elementar…»

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Os Moçárabes
«Antes de apreciarmos a influência da civilização árabe sobre a Espanha, é necessário darmos em breves palavras una ideia da espécie de cultura desse povo que entre o século IX e o XII, isto é, no período correspondente ao esplendor do seu domínio na Península, foi transitoriamente o depositário da cultura helénica. O movimento intelectual dos árabes até o fim do século XII considerado de um modo absoluto e independentemente de quaisquer considerações, é superior ao das nações cristãs que das mãos desses inimigos receberam a tradição das ciências gregas. Até à queda da dinastia Omíada do trono dos califas (750), a cultura dos árabes não saíra da esfera que parece ser a natural e própria dos povos orientais: a interpretação do Corão, isto é, o estudo das tradições religiosas, e a eloquência e poética da língua nativa. As faculdades propriamente científicas não tinham acordado; e a história ulterior mostrou não terem elas primazia no espírito dessas raças. A elevação da dinastia dos Abácidas (750-1258) e a rivalidade dos califas da Espanha e da África fizeram propagar, desde Samarcanda e Bocara até Fez e Córdova, um furor de educação. Os califas de Bagdad tinham agentes em Constantinopla, na Arménia, na Síria, no Egipto, encarregados de comprar livros gregos que eram logo traduzidos em árabe. Al-Mamua, (813-33) presidia em pessoa às assembleias dos sábios, e as livrarias dos doutores davam para carregar muitos camelos. A dos Fatimitas no Cairo contava, ao que dizem, cem mil volumes; e os Omíadas de Espanha assegura-se terem reunido mais de meio milhão. Excedia setenta o número das bibliotecas de Córdova, de Málaga, de Almeria e de Múrcia.
Os árabes eram então os mestres, os médicos e os adivinhos dos príncipes cristãos bárbaros, da mesma forma que os judeus eram seus banqueiros e fazendistas. Os nomes de Mesua e Geber, de Maiomónides, Rasis, Avicena, Averroes, ficaram ligados aos primórdios da anatomia, da botânica, e da química da Idade Média. Afonso, o Sábio, aprendeu com um árabe a alquimia:

La piedra que llman filosofal
Sabia facer y me la ensenó.

Dizem os eruditos que nessas grandes bibliotecas onde se achavam as obras de Platão e de Euclides, de Apolónio, de Ptolomeu, de Hipócrates, de Galeno, sobretudo de Aristóteles, o mais lido e gabado entre todos, ainda a literatura, a retórica e os comentários do Corão ocupavam a máxima parte das estantes. O cultismo dessas raças mais artistas do que pensadoras, mais curiosas do que investigadoras, literatas e requintadas, para quem a imaginação é quase tudo e o exercício da razão apenas elementar, dá-lhes o que quer que é de uma fisionomia feminina ou infantil que a leva a preferir a tudo as belas formas, o estilo elegante, ou a subtileza, o conceito e todas as extravagâncias e desvarios da imaginação, com que suprem a falta de actividade propriamente racional ou científica». In Oliveira Martins, História da Civilização Ibérica, Guimarães Editores, Lisboa, 1994.

continua
Cortesia de Guimarães Editores/JDACT