« - Mas ainda não sabes da melhor... - o Murtala chegou perto de mim. -
O quê então? - Ela taua a chorar e bazou pra, casa!!! – o Murtala também estava
a rir à toa. - Deu borla só por causa. disso! Nós tínhamos aula de Matemática,
era com o professor Ángel. Quando ele entrou, estava chateado ou triste. Eu dei
o toque no Murtala, mas não podíamos rir. Antes de começar a aula, o camarada professor
disse que a mulher dele estava muito triste porque os alunos tinham sido
indisciplinados, e que num pais em reconstrução era preciso muita disciplina.
Ele também falou do camarada Che
Guevara, falou da disciplina e que nós tínhamos que nos portar bem para
que as coisas funcionassem bem no nosso país. A sorte foi que ninguém queixou o
Célio e o Cláudio, senão com isso da revolução eles tinham mesmo apanhado falta
vermelha.
No intervalo a Petra for dizer ao Cláudio que eles tinham de pedir
desculpa na camarada professora, porque ela era muito boa, era cubana e estava
em Angola para nos ajudar. Mas o Cláudio não gostou nada de ouvir a Petra, e
disse-lhe que só tinha cumprido a ordem dela, que ela tinha dito para eles se quedarem e então eles atiraram-se
para o chão. Todos gostávamos do professor Ángel. Ele era muito simples, muito
engraçado. No primeiro dia de aulas ele viu o Cláudio com um relógio no pulso e
perguntou se o relógio era dele. O Cláudio riu e disse que sim. O camarada
professor disse mira, yo trabajo desde
hace muchos años y todavía no tengo uno, e nós ficámos muito admirados
porque quase todos na turma tinham relógio. A professora de Física também ficou
muito admirada quando viu tantas máquinas de calcular na sala de aula.
Mas não era só do professor Ángel e da professora Maira. Nós gostávamos
de todos os professores cubanos, também porque com eles as aulas começaram a
ser diferentes. Os professores escolhiam dois monitores por disciplina, o que
primeiro gostámos porque era assim uma espécie de- segundo cargo, por causa do
delegado de turma, mas depois nao gostámos muito porque para ser monitor había que ayudar a los compañeros menos
capacitados, como diziam os camaradas professores, e tinha que se saber
tudo sobre essa disciplina e não se podia tirar menos que 18. Mas o mais chato
de tudo era que tinha mesmo que se fazer os trabalhos de casa porque era o monitor
que controlava isso no início da aula. Claro que ir dizer ao professor quem
tinha feito a tarefa e quem não tinha feito, às vezes dava luta no intervalo, o
Paulo que o diga quando lhe levaram no hospital com o nariz a sangrar.
No fim da tarde a camarada directora veio falar connosco. Nós
gostávamos quando entrava alguém na sala de aulas pois tínhamos que nos pôr de
sentido e fazer aquela cantoriazinha, que uns e outros aproveitavam já para
berrar: bua taaardeeeee…
camarádaaaaa... directoraaaaaaa. Então ela veio avisar que íamos ter
uma visita-surpresa do camarada inspector do Ministério da Educação. Que ela
sabia que ia ser por um destes dias mas que tínhamos que nos portar bem, limpar
a escola, a sala, as carteiras, vir apresentáveis,
acho que foi isso que ela disse, e que o resto os professores depois
explicavam.
Ninguém disse nada, nem ninguém perguntou nada, Claro que só nos
levantámos quando a camarada directora disse então até amanhã, e este até
amanhã não era tão ao calhas como isso, porque seria diferente ela dizer
até para a semana, então lá
nos levantámos e dissemos bem alto: atéééééééeeé...
manhãããããã... camaradaaaaaaaa directoraaaaaaaaa!» In Ondjaki, Bom Dia Camaradas,
Editorial Caminho, Lisboa, 2003, ISBN 972-21-1524-3.
Cortesia de Caminho/JDACT