«No Oriente, o império bizantino oscilava em suas
bases; no Ocidente, os sarracenos de Espanha, auxiliados pelos mouros de África,
batiam os exércitos cristãos na batalha
de Zallaca. Ia soar a hora da Cruzada. Já desde o princípio do século, a ordem de Cluny organizava em França
expedições militares que, quase cada ano, passavam os Pirenéus para socorrer os
reis cristãos da Espanha na luta contra os muçulmanos. É, ainda Cluny
que, pela voz dum dos seus monges elevado a papa, chama a cristandade às armas.
Urbano II, a par da expedição à Palestina, planeou outra empresa militar de
grande envergadura na Espanha, proibindo os peninsulares de seguir para
Jerusalém, como diz Carl Erdmann, o ilustre historiador das nossas
relações com o papado.
Um antigo uso germânico permitia aos príncipes
dividir reinos e conquistas entre os filhos, como se fossem herança própria.
Assim procedeu Fernando Magno repartindo seus estados pelos filhos. A Garcia coube a Galiza, com as
terras conquistadas até ao Mondego. O retalhamento da unidade política formada por
Fernando Magno, provocando guerras entre irmãos, deu azo a que um chefe
interamnense, talvez funcionário real, aproveitasse as tendências dos povos para
possivelmente servir suas ambições políticas. É o caso do conde da Terra
portucalense, Nuno Mendes, viro
potentissimo, ter revoltado a região do Entre Douro e Minho contra o
rei Garcia, no ano de 1071.
Vencido e morto em Pedroso, entre Braga e o Cávado,
in cauto Tibianensi prope Catavum fluvium,
Nuno Mendes não deixou de nos mostrar uma aspiração das gentes desta Província,
interpretando porventura um já criado sentimento autonomista. Justamente no
mesmo ano de 1071, é restaurada a igreja de Braga, com seu bispo Pedro, reatando-se
assim o fio partido das nobres tradições da velha metrópole. Dois anos depois,
todos os estados de Fernando estão sob o ceptro do filho Afonso VI.
Numa das expedições francesas organizadas por Cluny,
devia ter vindo para Espanha o conde Raimundo de Borgonha e seu
primo conde Henrique. Raimundo desposa Urraca, filha de Afonso VI, e recebe
o governo do antigo reino da Galiza. Mais tarde, por 1095, Afonso VI casa outra filha, Teresa, com o conde
Henrique e divide em dois o condado da Galiza:
- do Cantábrico ao Minho para Raimundo,
- do Minho para o Sul para Henrique.
Porquê esta divisão das terras do Ocidente
pelos seus dois genros? Acaso, ou respeito por homogeneidades estabelecidas?
Em fins de 1095,
Henrique toma conta do condado jure
hereditario. Não conhece a história os seus planos políticos, no
entanto convém advertir, diz Alfredo Pimenta, que o conde procurou desenvolver
a população portuguesa, sendo fácil conjecturar os intuitos com que o fazia. À
morte de Henrique; o condado, herança de Afonso Henriques ainda criança, é
governado por sua mãe a Rainha D. Teresa.
Este título de Rainha era concedido às filhas dos reis e não tem no nosso caso
maior significado (?). Em benefício
da independência do Condado, procura D. Teresa aproveitar-se das lutas, das intrigas,
da agitação política que lavra nos estados de sua irmã Urraca, herdeira do
trono de Afonso VI.
Ou porque D. Teresa contrariasse a política interna de sua irmã, ou
para abater as tendências separatistas da viúva do conde Henrique, D. Urraca
invade o Minho e, depois de pequenos combates vitoriosos, põe cerco ao castelo
de Lanhoso, último reduto da princesa de Portugal. Uma noite, as tropas do truculento
arcebispo de Compostela, Diogo Gelmires, espécie de Mefistófeles
sacerdotal, cujo carácter é assaz negro, na frase de Herculano, as tropas de Gelmires, dizia, abandonaram o campo.
Neste apuro fez D. Urraca as pazes com a irmã, guardando-se nesta casa o
tratado respectivo. Além do reconhecimento do Condado, era confirmada a D. Teresa a tenência da cidade de Zamora.
Estava salvo o núcleo à roda do qual
vigorasse e crescesse a nascente nacionalidade portuguesa». In
Alberto Feio, Daqui Nasceu Portugal, Câmara Municipal de Braga, 1964.
Cortesia da CM de Braga/JDACT