O Interesse pelo Norte de África
«A tomada de Ceuta integra-se no desejo cristão de reconquista da
África do Norte e de colonização portuguesa da parte ocidental desse
território. O fracasso final dessa política revela o ponto de equilíbrio entre
as forças cristãs e muçulmanas, a islamização e arabização a que a Berberia
fora submetida e, talvez, a sintonia com que o Islão árabe soube viver com os
Berberes e outros habitantes dessa particular região do mundo então chamada
Jazirat al-Magrib, a ilha do Magrebe. No território de Marrocos distinguem-se
três faces distintas que lhe conferem uma vigorosa personalidade. Em contacto
com o mar situa-se uma zona de planícies atlânticas, regadas por numerosos rios
que correm das montanhas do Atlas, férteis em cereais e pastagens e habitadas,
sobretudo, por nómadas arabizadas.
A zona de montanhas divide-se em dois sistemas principais: o Rife e o Atlas. O Rife bordeja o Estreito de Gibraltar, incluindo a cidade de
Ceuta, e a fachada norte, virada ao Mediterrâneo; o Atlas, formado pelo
Médio, Alto e Antiatlas, orientado no sentido nordeste-sudoeste e paralelo à
linha da costa; separa as planícies atlânticas do deserto que se estende a
oriente e a sul. Este, o Sara, o maior dos desertos, merece bem a designação de
Mediterrâneo sariano, pelo
carácter de insularidade que confere ao Magrebe. As duas últimas regiões são
predominantemente habitadas por Berberes, sedentários nas montanhas e nómadas
no deserto. Os portos magrebinos eram de difícil acesso, por factores vários: a
costa tem um recorte pouco pronunciado, com raras enseadas, e é exposta aos
ventos de norte e do oeste. Os estuários dos rios são de medíocre valor para a
navegação de alto mar, devido às areias que as torrentes arrastam no momento
das cheias ou ao recorte rochoso com que a natureza os dotou. Só pequenos
barcos podem fundear no interior desses estuários, como acontece com o rio que
desagua junto do Alcácer Ceguer ou com o Lucos, rio de Larache, na margem do
qual se ergueu a cidade antiga de Lixus, já abandonada quando das conquistas
portuguesas.
Na foz do Cebu, o rio mais caudaloso de Marrocos, os portugueses
pretenderam construir, em 1515, a fortaleza
de Mamora. A expedição saldou-se por um grave desastre, porque os Mouros
atacaram na maré baixa e os navios portugueses não puderam manobrar nem receber
reforços dos barcos de maior tonelagem que haviam permanecido fora do estuário.
Mais para sul, a foz do Bu Regregue, ou rio de Salé, e o Umm al-Rabi, o Morbeia dos textos portugueses,
junto a Azamor, não permitem
tão pouco o acesso aos navios oceânicos. As enseadas de Safim e Agadir serviam
de portos a regiões ricas pela indústria de tecidos e de escoadouro aos
produtos do Sus. No extremo sul a costa torna-se baixa, povoada de recifes, e a
ressaca afasta os barcos da costa. O rico comércio do interior obrigava os
mercadores a fundear em Meça, na foz do rio do mesmo nome, já próximo do cabo
Não, limite meridional na navegação atlântica anterior aos descobrimentos
portugueses.
As fronteiras de Marrocos coincidem com limites geográficos naturais
que contribuem para lhe conferir uma individualidade marcada e para um relativo
isolamento: ao Norte, o mar Mediterrâneo; a Ocidente, o oceano Atlântico, e a
Sul e Oriente, o grande deserto do Sara. As ligações com o exterior
limitavam-se, assim, à via marítima, com as deficiências já apontadas, ao estreito corredor de Taza,
tradicional caminho das invasões orientais, situado entre os sistemas
montanhosos do Rife e do Atlas, e às cáfilas de camelos que atravessavam o
deserto para ir buscar o ouro, os escravos e outros produtos à terra dos negros».
In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Instituto Camões,
Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.
Cortesia de Instituto Camões/JDACT