NOTA: De acordo com o original
[…]
«O desafogo de recordar os
que amámos tem o doloroso prazer, que sentimos, ao arrancar um espinho.
Se tivesses baqueado aos
echos da batalha,
vendo egual decisão nos bravos
da fileira!...
Se, ao beijares o pó, tivesses,
por mortalha,
a bandeira da pátria, a que
já foi bandeira!...
Se aqui, onde nasceste,
e onde rebenta a flor
nos impervios da serra, á
luz do sol radiante,
podesses contemplar um iris
salvador,
ao voltar para o ceu a pupilla
expirante!...
Feliz, feliz de ti! Felizes
nós, também!
Que unir, no extremo alento,
a bocca aos lábios pulchros
da mãe que nos creou, da
pátria, a santa mãe.
É ver o sol da aurora á beira
dos sepulcros!
Eu, tão chegado á morte,
eterna companheira!
Espero que amanhã, no mundo
sideral,
aquelles que adorei, durante
a vida inteira,
os tenha em seu regaço essa
amante ideal!
[…]
Sobre a serra de Cintra e
os valles nemorosos
batia a prumo o sol! Ao ires
a enterrar,
foram dignos de ti os kyries magestosos
dos echos da montanha e das
costas do mar!
Que importa que depois, nas
ruas da cidade,
te não prestasse a turba
as pompas triumphaes,
ephemero brazão da popularidade?!...
Para ser popular eras grande
de mais!
Eu não te choro a ti, mas
choro os que deixaste!
Que noite no teu lar, onde
tu refulgias!...
Assim Deus te poupasse,
á hora em que acabaste,
A sinistra visão de tantas
agonias!
Poema de Bulhão Pato
Fernão de Magalhães
Está ainda por escrever uma
grande e gloriosissima historia nacional. Não é apenas a averiguação minuciosa de
todas as particularidades da fundação da monarchia. Não é a amplificação
rhetorica dos recontros que no occidente da península tiveram nossos maiores com
os sectários do propheta; não é a narrativa das intrigas cortezans, nem a lenda
das guerras civis, nem mesmo a critica das instituições municipaes, que tenderam
a lançar no solo portuguez as primeiras sementes da liberdade e a assegurar as imunidades
populares contra a opressão dos nobres ou contra as invasões da monarchia absoluta.
Estas investigações, posto que úteis e necessárias, resumem a historia domestica
de um povo, ainda segregado em grande parte da civilisação geral, ainda não activo
e grande collaborador nos progressos da humanidade. São a monografia de um orgão,
a analyse de um tecido que pertence a um organismo consideravel cujas funcções e
cuja evolução não pode ser comprehendida em quanto o historiador, erguendo-se a
mais altas regiões, não estudar as relações da sua patria com a civilisação
christan, com a civilisação universal.
A historia de Portugal começa
com as primeiras expedições e conquistas africanas. É desde então que esta orla
Occidental da península hispânica começa a inscrever o seu nome entre as nações
cultas. Até então é uma província de Hespanha, que por uma longa elaboração se emancipa
da coroa castelhana. D'ali por diante, é uma nação varonil, que justifica por actos
de arrojada iniciativa a sua própria autonomia. Até ao principio das conquistas
é uma familia quasi esquecida e ignorada pela Europa no seu ultimo occidente. D'ali
por diante a familia, a tribu, eil-a tornada em povo e em nação. A provinda, que
sacode o jugo da mãe-patria, é já império, é já povo, é já efficaz e fecunda participação
nos grandes acontecimentos que transformam a face do mundo e inauguram solemnemente
a moderna civilisação.
Portugal é hoje nação, não
porque conquistou aos árabes á ponta da sua lança estes territórios extremos da
peninsula, não porque, por um acto de feliz insurreição, quebrou as cadeias que
o prendiam á velha monarchia de Pelayo, não porque soube em guerras diuturnas
firmar o pavilhão das quinas contra as invasões de seus visinhos, mas porque fez
d'esta bandeira gloriosa, não somente a insígnia de uma pátria, mas o emblema de
uma nova civilização». In Latino Coelho, Fernão de Magalhães.
Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de
Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária Fluminense,
Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.
Cortesia de Imprensa
Portuguesa/JDACT