terça-feira, 19 de março de 2013

Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela. Latino Coelho. «Portugal é hoje nação, não porque conquistou aos árabes á ponta da sua lança estes territórios extremos da peninsula, não porque, por um acto de feliz insurreição, quebrou as cadeias que o prendiam…»

jdact

NOTA: De acordo com o original

[…]
«O desafogo de recordar os que amámos tem o doloroso prazer, que sentimos, ao arrancar um espinho.

Se tivesses baqueado aos echos da batalha,
vendo egual decisão nos bravos da fileira!...
Se, ao beijares o pó, tivesses, por mortalha,
a bandeira da pátria, a que já foi bandeira!...

Se aqui, onde nasceste, e onde rebenta a flor
nos impervios da serra, á luz do sol radiante,
podesses contemplar um iris salvador,
ao voltar para o ceu a pupilla expirante!...

Feliz, feliz de ti! Felizes nós, também!
Que unir, no extremo alento, a bocca aos lábios pulchros
da mãe que nos creou, da pátria, a santa mãe.
É ver o sol da aurora á beira dos sepulcros!

Eu, tão chegado á morte, eterna companheira!
Espero que amanhã, no mundo sideral,
aquelles que adorei, durante a vida inteira,
os tenha em seu regaço essa amante ideal!

[…]
Sobre a serra de Cintra e os valles nemorosos
batia a prumo o sol! Ao ires a enterrar,
foram dignos de ti os kyries magestosos
dos echos da montanha e das costas do mar!

Que importa que depois, nas ruas da cidade,
te não prestasse a turba as pompas triumphaes,
ephemero brazão da popularidade?!...
Para ser popular eras grande de mais!

Eu não te choro a ti, mas choro os que deixaste!
Que noite no teu lar, onde tu refulgias!...
Assim Deus te poupasse, á hora em que acabaste,
A sinistra visão de tantas agonias!
Poema de Bulhão Pato

Fernão de Magalhães
Está ainda por escrever uma grande e gloriosissima historia nacional. Não é apenas a averiguação minuciosa de todas as particularidades da fundação da monarchia. Não é a amplificação rhetorica dos recontros que no occidente da península tiveram nossos maiores com os sectários do propheta; não é a narrativa das intrigas cortezans, nem a lenda das guerras civis, nem mesmo a critica das instituições municipaes, que tenderam a lançar no solo portuguez as primeiras sementes da liberdade e a assegurar as imunidades populares contra a opressão dos nobres ou contra as invasões da monarchia absoluta. Estas investigações, posto que úteis e necessárias, resumem a historia domestica de um povo, ainda segregado em grande parte da civilisação geral, ainda não activo e grande collaborador nos progressos da humanidade. São a monografia de um orgão, a analyse de um tecido que pertence a um organismo consideravel cujas funcções e cuja evolução não pode ser comprehendida em quanto o historiador, erguendo-se a mais altas regiões, não estudar as relações da sua patria com a civilisação christan, com a civilisação universal.
A historia de Portugal começa com as primeiras expedições e conquistas africanas. É desde então que esta orla Occidental da península hispânica começa a inscrever o seu nome entre as nações cultas. Até então é uma província de Hespanha, que por uma longa elaboração se emancipa da coroa castelhana. D'ali por diante, é uma nação varonil, que justifica por actos de arrojada iniciativa a sua própria autonomia. Até ao principio das conquistas é uma familia quasi esquecida e ignorada pela Europa no seu ultimo occidente. D'ali por diante a familia, a tribu, eil-a tornada em povo e em nação. A provinda, que sacode o jugo da mãe-patria, é já império, é já povo, é já efficaz e fecunda participação nos grandes acontecimentos que transformam a face do mundo e inauguram solemnemente a moderna civilisação.
Portugal é hoje nação, não porque conquistou aos árabes á ponta da sua lança estes territórios extremos da peninsula, não porque, por um acto de feliz insurreição, quebrou as cadeias que o prendiam á velha monarchia de Pelayo, não porque soube em guerras diuturnas firmar o pavilhão das quinas contra as invasões de seus visinhos, mas porque fez d'esta bandeira gloriosa, não somente a insígnia de uma pátria, mas o emblema de uma nova civilização». In Latino Coelho, Fernão de Magalhães. Escritos Literários e Políticos. Coligidos e publicados sob a direcção de Arlindo Varela, Editores Santos & Vieira, Empresa Literária Fluminense, Imprensa Portuguesa, Lisboa, 1917.

Cortesia de Imprensa Portuguesa/JDACT