Meu amigo.
«Vinha com a sua carta
outra que devolvo. Faz-me este caso lembrar um galante equívoco. Minha filha,
quando estava no convento da Ave Maria, no Porto, um dia, mandou-me a
carta que escrevera ao namoro, e mandou ao namoro a carta que escrevera ao pai.
Eu devolvi-lha, e disse-lhe que não fizesse a sua correspondência de um fôlego,
para não se equivocar com os destinatários. Um dia destes, me lembrava ela o caso,
e tinha já ao pé de si uma menina, que se ria da passagem. Ainda bem que, para
não vir bem aplicado o conto, o José Júlio da Costa é um correspondente do sexo
insuspeito. Assim que vier um dia de sol, aí me tem. Do seu amigo. Camillo
Castello Branco.
Colega e amigo
«Se a sua contricção é sincera,
dou-lhe calorosos parabéns. Receio, porém, a reincidência. Eu não lhe digo que não
escreva. Nós, os fadados para o vício das letras, precisamos espremer de vez em
quando os furúnculos do espírito. Os furões, se não lhes espremem umas glândulas
que tem ao pé do ânus, criam postema. Espremamos, pois, de vez em quando as glândulas
na cara dos idiotas, para não nos apostemarmos. Todavia, façamo-lo sem incómodo
do ânus, nem do cérebro. Parece-me que vou amanhã para o Bom Jesus do Monte, com
o Jorge. Tenho precisão de ir aí despedir-me das árvores que me viram criança. Retribuo
a lembrança do Lacerda. Do seu ded.º am.º». Camillo Castello Branco, 19-7-80.
Meu amigo
Pode considerar-se
restabelecido o N. de Lacerda? Isso então está sério em Lisboa? Noto, porém,
que os tipos entendem pouco com a gente limpa. Será isso fome? O tal B… não levou
os livros; * incomodavam-no e não lhe davam nada, porque eram romances. O homem
aqui, talvez por causa do meio todo britânico, imaginou que sabia inglês. Pediu
Shakespeare, como quem pede meio quartilho! Uma coisa de espírito pela tolice: disse
ele em Famalicão que eu, quando ele era menino, o trouxera ao colo em casa do
marquês de Penalva. Casa em que nunca pus os meus pés plebeus. Ele seria bastardo
dos Telles de Menezes, ou jockey? Fede demais para ser estudado. A carta que escrevi
ao Caldas não tinha decerto o destino da imprensa, mas eu logo vi que ele lho daria.
Em todo caso, ele que a publique sem a intervenção do meu amigo; assim lavamos ambos
as mãos. O prólogo dos Combates deve contribuir para o silêncio
da imprensa, visto que eu, sem alguma das políticas militantes, cheguei mais ou
menos a todos. Convença-se de que somos profundamente odiados; e, se nos não insultam,
é que sabem que temos nos nossos arsenais grandes granadas de m… Já vi que o Jornal
da Noite se bandeou nos centenaristas. Se vir que lá se desgostam de serem
os arautos do meu por enquanto moderadíssimo cartel, retire o meu amigo o folhetim.
Estou estudando o Pombal, na hipótese de se ajuntar à bexiga do centenário o banzé da troça. Tenho recebido seis cartas
de comissões, a pedirem-me artigos para o dia 8 de Maio. A que porta batem! Muito
seu amigo». Camillo Castello Branco, 20-4-80.
In Cartas de Camilo Castello Branco, Prefácio de Silva Pinto,
Typographia Mattos Moreira & Pinheiro, Livraria Editora de Tavares Cardoso
& Irmão, Editores Cardoso & Irmão, Lisboa, 1895.
Cortesia de E. Cardoso e Irmão/JDACT