(Continuação)
Écloga de Jano e Franco
«Mui perto estava o casal
onde vivia o pai dela,
que fez ir mais longe o mal
que Jano teve de vê-la;
mas o medo que causou
Joana partir-se assi,
tanto as mãos lhe embaraçou,
que a sapata esquerda, ali,
com a pressa lhe ficou.
Jano, quando viu e olhou
que nenhum remédio havia,
para o lugar se tornou
aonde ela na água se via;
e vendo a sapata estar
no areal, à beira de água,
foi-a correndo abraçar.
Tomando-a, creceu-lhe a mágoa
e começou a chorar.
[…]
Despojo da mais fermosa
coisa, que viram meus olhos,
pera eles sois uma rosa,
e para o coração abrolhos.
Sapata, deixada aqui,
para mal de outro mor mal,
quem te leixou leva a mim:
que troca tão desigual!
Mas pois assi é, seja assim.
[...]
Dentro do meu pensamento
há tanta contrariedade,
que sinto contra o que sinto
vontade e contra vontade;
estou em tanto desvairo,
que não me entendo comigo.
Donde esperarei repairo?
- que vejo grande o perigo
e muito mor o contrairo.
[…]
Ó mal! Não vos sabe a vós
quem me vós a mim causou!
Tristes dos meus olhos sós,
que trouveram, aonde estou,
olhos, a certo lugar
ribeira mor das ribeiras
que levam as águas ao mar
vós me sereis verdadeiras
testemunhas do pesar.
Poema de Bernardim Ribeiro
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