«Os anos tinham convertido Inês
numa adolescente desenvolta e esbelta. O sol que se filtrava através da janela
enorme fazia brilhar ainda mais aquela abundante cabeleira dourada e o pescoço
comprido, o colo de garça, cantado
pelos artistas que frequentavam o castelo, parecia ainda mais branco e mais
perfeito. Não. Não lhe faltavam qualidades, nem aspecto. Inês tinha, sem dúvida, porte de rainha. Alheia às reflexões da
amiga Inês continuava a palrar sem
descanso. Que sim, que Constança
havia nascido para reinar que o manto real lhe faria realçar ainda mais os
cabelos de azeviche e os olhos escuros, que sim, que a brancura da sua pele era
digna de um rei; e continuava a falar, sem cessar, das amenidades de um
Portugal que, nas recordações dos seus anos de criança, assimilava às verdes
colinas e à placidez das suas terras galegas.
- Sim - concluiu. - O meu amado
senhor João quer dar-te o destino de rainha que te corresponde. Vendo-te assim,
uma moça tão bela, bem deve lamentar o nosso rei Afonso XI, que Deus guarde, a
maneira como te tratou em menina É claro que… - aqui sorriu, com brejeirice,
talvez não te agrade a ideia de virem a chegar a Portugal as palavras bonitas
de certo jovem, aquele que nas justas enverga a faixa que lhe bordaste e que
gosta de te acompanhar durante o passeio matinal. Constança não deu resposta. Inês
até tinha razão. Álvaro Fáñez de Valbuena costumava concorrer, como fidalgo da
terra, às justas e torneios realizados no castelo. Em mais de uma ocasião, sendo
um apaixonado das rimas, havia dedicado versos a Constança e, durante o último torneio, tinha defendido as suas cores.
Também era verdade que, em mais de uma ocasião, dera consigo a pensar nele e ficava
nervosa sempre que ele estava presente, mas sabia que o seu destino estava nas
mãos do pai e que este não perderia a ocasião se aparecesse um casamento
vantajoso. Não se importava.
Aceitava de bom grado ser a peça decisiva para o culminar da carreira
política do infante João Manuel. No fim de contas, como dizia a ama o amor era
um sentimento próprio dos livros e dos romances. As mulheres da classe a que pertencia tinham um destino a cumprir:
ser úteis aos pais, dar sucessão aos maridos e educar os filhos de acordo com a
fé e a honra. Ela seria fiel à sua condição e agiria como tal. Continuou
em silêncio. Sabia que se falasse acabaria a discutir com Inês. A amiga era mais sonhadora. Apaixonava-se com facilidade e em
várias ocasiões havia suspirado ante os requebros de algum cortesão. Além do
mais, recusava-se a aceitar as limitações próprias da sua condição de mulher.
Certamente gostava tanto do arranjo pessoal como dos livros, dos bailes como
das rezas, mas, para desespero da ama, obstinava-se em lançar-se a galope pela
veiga, ou a conversar com rapazes que haviam sido companheiros de folguedos
infantis, a quem agora, já crescidos, devia mostrar a reserva aconselhada pela
sua condição de donzela. Uma e outra vez, evocando a figura de D. Maria de
Molina, discutia com mestres e prelados as razões por que o mundo das armas e
das letras estava vedado às mulheres, recusando-se
a aceitar que estas devessem limitar-se ao papel de sujeitos passivos na vida.
Quando, farta do discurso, Constança
lhe perguntava o que faria se pudesse mudar a situação, calava-se, matutava
durante uns segundos, para a seguir responder: - Não sei, mas não é justo.
Tampouco lhe pareceu justo que, poucos dias depois da partida dos
portugueses, o infante João Manuel reunisse os cortesãos na grande sala abobadada
e anunciasse solenemente que, segundo o acordo alcançado com o Rei de Portugal,
a sua amada filha D. Constança Manuel
estava comprometida a casar-se com o infante
Pedro, herdeiro do trono português. Não.
Não lhe pareceu justo que Constança não tivesse sido avisada antes do anúncio.
Não achou bem que não tivessem pedido consentimento à interessada». In
Inês de Castro, María Pilar Queralt de Hierro, Editorial Presença, Lisboa,
2006, ISBN 978-972-23-3081-7.
Cortesia de Editorial Presença/JDACT