«(…) A regência de Pedro (1439-48) tem sido objecto de discussão e de interpretações contraditórias pelos historiadores:
- ora é vista, maioritariamente como um período de centralização do poder real,
- ora minoritariamente, como um período de afirmação senhorial.
Sem exageros extremados, deve considerar-se que o Regente Pedro esteve simplesmente entre dois tempos, o da nobreza tradicional e o da emergente burguesia urbana, o que é visível tanto na sua produção teórica, a Virtuosa Benfeitoria, um tratado sobre os deveres e responsabilidades políticas e sociais dos príncipes, vértices indispensáveis da organização social, tanto partilha de conceitos ainda medievais como de conceitos já modernos, como a na sua prática política, em que recusa ceder perante reivindicações maiores dos grupos populares; que tinha consciência da precariedade da sua situação e que procurou manter o equilíbrio possível entre os interesses opostos dos diversos grupos sociais. Globalmente a sua regência pode ser caracterizada pelos seguintes aspectos:
- Inicialmente, grande atenção à defesa militar do reino, para resistência a possível tentativa de invasão por parte de reino de Castela em apoio a D. Leonor. Defesa militar acompanhada de actuação diplomática no mesmo sentido;
- Dotação do país com um ordenamento jurídico-administrativo coerente, o que foi concretizado com a finalização e publicação das Ordenações Afonsinas, em 1446, o primeiro código sistemático das leis nacionais;
- Política de satisfação dos interesses/direitos das classes populares dos concelhos para se entender este aspecto, convém referir a dinâmica social de então, assente na tensão ou larvar ou acesa entre os grupos privilegiados, alto clero, grande nobreza titular e fidalgos, que conjugavam a propriedade das terras com o exercício de direitos soberanos sobre os seus habitantes, exercício da justiça, cobrança de impostos, organização militar, administração territorial, e com a ocupação dos mais altos postos político-administrativos, militares e religiosos do reino, e a burguesia em desenvolvimento, residente nas cidades e vilas/concelhos, formada por comerciantes, armadores, mestres de ofícios, proprietários rurais livres, oficiais concelhios e de justiça, médio clero, legistas e outros, que procurava obter o máximo de direitos, contra os interesses instituídos e imposições da grande nobreza e alto clero, garantindo a sua independência e liberdade frente à nobreza e abolindo ou limitando o direito de aposentadoria, o direito de aposentadoria consistia na obrigação dos povos dos concelhos em suportar as despesas de estada do rei e dos nobres, e respectivas comitivas, quando estes andavam em viagem. Este direito era tão pesado e gravoso que quando Pedro o aboliu em Lisboa, os habitantes da cidade quiseram erguer-lhe uma estátua, o que ele recusou liminarmente, contrabalançada com algumas concessões pontuais à grande nobreza senhorial para tentar neutralizar a sua oposição;
- Reforma da Universidade, que dotou com receitas próprias, com o objectivo da formação apropriada do clero e da magistratura, os quadros dirigentes da vida pública do país; inclusivamente, criou em Coimbra uns Estudos Gerais, paralelos aos de Lisboa, projecto gorado após a sua morte;
- Alteração da política expansionista, orientando-a deliberadamente para a descoberta da costa africana e sua exploração comercial e para a colonização das ilhas atlânticas, em detrimento das conquistas africanas.
Este novo rumo da expansão concretizou-se nomeadamente na exploração de cerca de 198 léguas da costa africana, desde o Rio do Ouro até à Guiné; na concessão ao Infante Henrique de direitos monopolistas sobre a navegação e comércio das terras africanas a sul do Cabo Bojador; no desenvolvimento das relações comerciais com a costa africana, fonte de mão-de-obra escrava e de ouro; na construção da feitoria de Arguim e no incentivo à participação de particulares nas actividades expansionistas. O próprio Regente Pedro participou directamente nas descobertas armando navios seus para o efeito e tomando a seu cargo a colonização da maior ilha dos Açores, a de São Miguel. Em 1446 Afonso V atingiu a maioridade (14 anos) e o seu tio Pedro entregou-lhe o poder.
O rei pediu-lhe, no entanto, que continuasse em exercício de funções para o auxiliar nas tarefas da governação. Foi então que elementos da grande nobreza, o conde de Barcelos/duque de Bragança e o conde de Ourém, entre outros, opostos às políticas de Pedro, começaram a rodear o novo rei e a pressioná-lo para que governasse sem a influência do Infante. Em 1448, o infante Pedro, desgostado e já num clima de tensão criado pelos inimigos, abandonou o poder, retirou-se da corte e foi para as suas terras de Coimbra. Os seus inimigos continuaram o processo de ajuste de contas, acusando-o de diversos crimes e convencendo disso o rei. Este, em 1449, ordenou então ao seu tio Pedro que entregasse as armas guardadas na cidade de Coimbra e que deixasse passar nas suas terras as hostes do duque de Bragança, seu principal inimigo. O Infante recusou e, depois de falhadas as diversas tentativas de reconciliação com o rei, que passou a considerá-lo traidor, dirigiu-se com o seu exército para o sul, encaminhando-se para Lisboa, até Alfarrobeira, onde o exército real o aguardava.
Ainda hoje não se consegue interpretar este acto nem saber os seus motivos, já que o Infante Pedro sabia que o rei estava contra ele e que um exército desproporcionado o esperava. Uma hipótese plausível: a de que buscou deliberadamente a morte, em compromisso mútuo com o seu amigo e apoiante, o conde de Avranches, de que mais valia morrer grande e honrado do que viver pequeno e desonrado e de que quando melhor não pudesse ser, (bom era) de morrer no campo (de batalha). A batalha com as tropas do rei ocorreu no dia 20 de Maio de 1499, em Alfarrobeira, onde Pedro morreu e as suas tropas foram destroçadas. Depois de abandonado no campo durante três dias, o seu corpo foi discretamente enterrado na igreja de Alverca e trasladado mais tarde para Abrantes. A notícia da sua morte e do tratamento indigno do seu corpo foi criticamente recebida tanto pelo ducado da Borgonha (o ducado da Borgonha era, pela sua extensão geográfica e dinamismo económico e cultural, uma das grandes potências da Europa do século XV), de que sua irmã Isabel era a duquesa, como pelo Papado, o que obrigou o rei a más desculpas e a justificações pouco convincentes. Só em 1455, numa cerimónia de apaziguamento da família real, foi autorizada a sua sepultura no mosteiro da Batalha, a sepultura do Infante na Mosteiro da Batalha constituiu um momento solene de reparação da sua memória por Afonso V, de reconciliação da família real e de integração dos seus apoiantes. Significativamente, os Braganças não estiveram presentes. Aliás, o rancor destes para com o Infante será duradouro: quando Agostinho Vasconcelos, em 1627, publicou uma Vida de D. Duarte de Meneses, em que a figura de Pedro era exaltada em detrimento do 1.º duque de Bragança, a Casa de Bragança encomendou a Gaspar Landim uma obra, publicada em 1630, para reabilitação do primeiro duque de Bragança e condenação do Infante Pedro...
In José Ermitão, O Infante Pedro das Sete Partidas, Wikipédia.
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