NOTA: Obra publicada inicialmente nos anos 50, A Rosa Branca apresenta uma fonte de
resistência ao nazismo vinda da direita
«Embora proliferem as análises que procuram dar conta do fenómeno nazista,
um ponto sensível e comparativamente ainda pouco explorado é o estudo dos
grupos que conseguiram articular algum tipo de resistência política nos limites
daquelas circunstâncias históricas. Neste sentido, foi com felicidade que li A Rosa Branca. Em Fevereiro de 1943, foram executados pelo regime
nazista os irmãos Hans (1918-1943) e Sophie Scholl (1921-1943).
Além deles, o amigo e companheiro político Christoph Probst (1919-43).
Após dois meses, seguiu-se a execução de Alexander Schmorell (1917-1943),
Willi Graf (1918-1943) e Kurt Huber (1893-1943), igualmente membros do
mesmo grupo de resistência: A Rosa Branca. Todos eles se
conheceram na Universidade de Munique e, em comum, acreditavam na urgência
moral de articular algum tipo de oposição ao regime nacional-socialista. Hans
Scholl, Christoph Probst, Alexander Schmorell e Willi Graf eram estudantes
de medicina. Sophie Scholl era estudante de biologia e filosofia.
Kurt Huber era professor de filosofia. O livro escrito por Inge
Scholl, e sua primeira edição publicada no início dos anos 1950. Compreensivelmente o tom do seu
argumento é algo laudatório; uma vez que fora escrito por alguém que acabara de
observar a execução injusta dos dois irmãos, por parte do regime nazista. Além
de sua análise (recordação e homenagem),
há os seis panfletos escritos pelos integrantes da Rosa Branca. Consta ainda
no livro uma antologia de depoimentos de pessoas que tiveram algum tipo de
interação com o grupo e, também no que diz respeito à documentação histórica,
estão presentes as sentenças judiciais dirigidas a cada um dos membros da Rosa
Branca. Completam o livro um discurso do romancista Thomas Mann (no qual
ele faz uma significativa elogia às acções do grupo) e um esboço daquele que
teria sido o sétimo panfleto a ser escrito contra o regime nazista.
Alguns aspectos da história contada por Inge Scholl são
particularmente reveladores do contexto político e cultural daquele período.
Por exemplo, quando ocorrera a condenação formal dos envolvidos com as acções
da Rosa
Branca, a reacção da imprensa da época foi basicamente monolítica e
explicitamente hostil aos envolvidos. Os membros do grupo foram classificados
como individualistas irresponsáveis,
que, ao agirem politicamente daquele modo, estavam se excluindo automaticamente
da Comunidade do Povo. No fim das
contas, o mais interessante do livro não são os pormenores históricos contados
por Inge
Scholl. A narrativa ganha peso, e mesmo densidade espiritual, com a
descrição do processo de articulação dos irmãos Scholl (e amigos) na criação do
grupo Rosa Branca. Todavia, é importante notar que a criação do grupo
em si foi antecedida por um processo de interiorização, por uma jornada
intelectual e moral com consequências concretas, decisivas para todos os
envolvidos. Inge Scholl recorda que a busca de Hans por um sentido maior de
Bem, de transcendência, foi iniciada com o estudo sistemático dos
filósofos antigos: Platão, Sócrates, Agostinho e Pascal.
O aspecto mais interessante da obra é a apresentação de uma fonte de
resistência, vinda à direita, ao fascismo alemão. É frequente que se tome o
fascismo como uma modulação do argumento conservador. É lugar-comum colocar
ambas as ideologias no mesmo quadrante político. Todavia, A Rosa Branca ilustra bem as imensas distinções
epistemológicas entre os dois argumentos. Enquanto
o fascismo alemão dizia respeito a mudanças sociais bruscas, por meio do
emprego sistemático da violência política, o conservadorismo esboçado pela
Rosa Branca se relacionava à resistência não-violenta (muito embora o recurso
às armas nunca tenha saído do horizonte do grupo), temperança e prudência.
O principal problema da política é o da
ordem e o da liberdade. Isto é, como
os agentes políticos se relacionam com a ordem estabelecida? Qual é o
tipo de conciliação possível entre
liberdade e segurança? Em um dos panfletos da Rosa Branca, observamos uma
crítica ao modelo do Estado nazista que, a um só tempo, nos informa a respeito
do posicionamento conservador do grupo acerca dos princípios da ordem e da
liberdade. De acordo com o panfleto: Tudo pode ser sacrificado em favor do
Estado, excepto quando o próprio Estado se torna um meio» In Inge Scholl, A Rosa Branca, Conservadores
contra o nazismo, A história dos estudantes alemães que desafiaram o nazismo,
Gabriel Trigueiro, Editora 34, 2013, ISBN 978-85-7326-529-3.
Cortesia de E. 34/JDACT