Fazer a História das
Misericórdias. As Misericórdias da fundação à União Dinástica
«(…) Nos anos noventa do século XX procedeu-se a uma releitura da
historiografia precedente sobre as misericórdias, bem como à reinterpretação de
algumas fontes de fácil acesso. Surgiu também uma vaga de monografias sobre
misericórdias que todos os interessados pelo tema conhecem. No entanto, está
ainda em curso uma análise sistemática da documentação primária existente nos
arquivos centrais e locais, passível de vir a revelar muitas surpresas.
Continuam a escassear, no que toca aos primeiros, análises globais da
documentação existente nas Chancelarias
Régias, no Corpo Cronológico e nos fundos do Arquivo
Histórico Ultramarino. Para o período em análise, não existe ainda uma
visão de conjunto das fontes disponíveis, que sobreviveram nos arquivos locais,
especialmente para a primeira metade do século XVI. Esta documentação constitui
um corpo documental relativamente fácil de delimitar, uma vez que o seu volume
é muito menor do que a disponível para os séculos seguintes. Este trabalho
pretende fornecer um quadro do que actualmente se sabe sobre as misericórdias, desde
o ano da fundação da Misericórdia de Lisboa, em 1498, até à União Dinástica (1580), cobrindo os reinados
de Manuel I, João III, Sebastião I e cardeal-Rei Henrique. Articula-se também
esta informação com alguns dados recentemente levantados aquando de uma recolha
sistemática da documentação das chancelarias régias.
As chancelarias régias,
actualmente conservadas no Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo
(IAN/TT), são o fundo documental onde se encontra reunido o maior número de
informações relativas às disposições da Coroa sobre misericórdias. No entanto,
não congregam o total da informação originariamente produzida, uma vez que
muitos documentos são hoje conhecidos apenas através de cópias existentes nos
arquivos locais. Esta documentação concede uma visão global que uma monografia
ou estudo regional dificilmente permitem. No entanto, as referências extraídas
das chancelarias representam apenas uma pequena parte da documentação emitida
pela Coroa. Lagos, Évora ou Viana revelaram possuir muito mais documentos
de proveniência régia do que os que se lhes referem actualmente nos volumes conservados
na Torre do Tombo, que, como se sabe, sofreram perdas ao longo do tempo.
Mesmo assim, podemos adiantar os seguintes números: existe documentação para 31 misericórdias no reinado de Manuel I,
enquanto que o de João III inclui 15 novas misericórdias, para além das que
vinham do reinado anterior. Mas é entre 1557 e 1580, nas chancelarias
do rei Sebastião e cardeal-Rei Henrique, que se dá a explosão das misericórdias
em pequenas localidades: nada mais do que 55, que nunca tinham aparecido antes,
surgem pela primeira vez referidas. Não se julgue, no entanto, que se podem
utilizar as chancelarias para estabelecer datas de fundação das misericórdias,
uma vez que apenas confirmam a sua existência no terreno. É manifesto que
algumas só aparecem referidas nas chancelarias muito tarde, como nos casos de Lagos,
Braga, Vila da Praia ou Angra.
A maior parte dos
documentos emanados das chancelarias tinha origem no seguimento de solicitações
locais, geralmente em forma de petição, a que a Coroa dava resposta. Essa
documentação inicial perdeu-se (a não ser nos casos em que os textos das
petições foram transcritos), pelo que as Chancelarias Régias só nos concedem a versão da Coroa
num diálogo que teve originalmente dois sentidos. Este tipo de fonte não
permite estudos de carácter relacional: neste aspecto os estudos locais de
âmbito estritamente monográfico revelam vantagens inegáveis. Convocam um
conjunto diversificado de fontes documentais que podem esclarecer os interesses
em campo a nível local e os jogos de força entre eles. Relativamente ao tempo
do rei Manuel I, uma percentagem significativa dos documentos exarados no seu
reinado são conhecidos por via indirecta através da chancelaria do seu
sucessor. Na maior parte dos casos eram diplomas trazidos à Corte pelas
misericórdias para solicitar as devidas confirmações, dos quais só foram
registados os que obtiveram resposta afirmativa». In Isabel dos Guimarães Sá, José Pedro Paiva, Portugaliae Monumenta
Misericordiarum, Fazer a História das Misericórdias, Centro de Estudos de
História Religiosa, Universidade Católica Portuguesa, Lisboa, União das
Misericórdias Portuguesas, 2002, ISBN 972-98904-0-4.
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