Introdução. A internacionalização da Guerra
Civil. Liberais, miguelistas e carlistas
«A Guerra Civil de 1832-1834 continua a oferecer, não obstante
os numerosos trabalhos já existentes, um vasto campo para os investigadores da História
Militar, da História Diplomática e da História das Ideias, que podem contribuir,
com novos estudos, para um melhor conhecimento e esclarecimento daquela época conturbada
nas suas diversas vertentes, em que o político, o económico, o social, o cultural
e o mental se articulam numa perspectiva global e integrada. De facto, a grande
maioria das obras já existentes sobre aquela temática situam-se numa linha descritiva,
seguindo uma tradição que remonta a Luz Soriano, enriquecida com algumas
focagens regionais ou com visões mais interpretativas, e carecem de uma
actualização quer no que diz respeito ao levantamento de novas fontes, quer no
que diz respeito a aparelhos conceptuais e às metodologias adoptadas. Uma das vertentes
mais interessantes daquele conflito é a sua dimensão internacional, quer no plano
diplomático, com a interferência directa ou indirecta dos governos estrangeiros
na evolução da situação portuguesa, o jogo de interesses, com variações decorrentes
da alteração das respectivas situações políticas internas, em cada país, quer
na participação directa de elementos de outras nacionalidades no conflito. São por
demais conhecidos os casos dos militares estrangeiros empregados pelos exércitos
liberal e miguelista. Recordamos os estudos exemplares de Henrique Ferreira Lima
e os materiais a tal propósito carreados no Boletim do Arquivo Histórico Militar
e o de J. Lorette. Sem olvidar, ainda os excelentes depoimentos que deixaram sob
a forma de memórias. Alguns desses oficiais desempenharam por vezes cargos cimeiros
de comando, com todas as consequências negativas e positivas desse facto. Os casos
de Bourmont, Solignac, Macdonell, Sartorius e Charles Napier são exemplares.
Também é de todos conhecida a posição
das grandes potências europeias face a Miguel, com a viragem profunda operada
em 1830, após a queda de Carlos X,
em França, e do ministério presidido pelo duque de Wellington, na Grã-Bretanha,
propiciadora das condições políticas e logísticas que tornaram possível a expedição
liberal aos Açores e o seu posterior desembarque no norte do país. Parece-nos
desnecessário salientar a profunda ligação e o paralelismo entre os processos de
implantação do liberalismo em Portugal e Espanha. A bibliografia existente sobre
essa problemática não é escassa. É que no país vizinho decorria, também, um
confronto político e ideológico que, embora latente, não deixava de constituir motivo
de preocupação para o monarca espanhol.
Os realistas puros previram o seu
acesso ao poder quando Carlos Maria Isidro, herdeiro do trono, sucedesse a seu irmão
Fernando VII, que não tivera descendência de três casamentos. Esta situação
alterou-se, porém, em 1829, quando o
monarca, depois de ter enviuvado de Maria Josefa da Saxónia, contraiu novas núpcias,
desta vez com Maria Cristina de Borbón-Nápoles, que se celebraram a 12 de Dezembro
do mesmo ano. Se resultasse descendência deste novo casamento, então tudo se alteraria
e as expectativas dos partidários de Carlos sairiam frustradas. A 29 de
Março de 1830, o rei publicou uma
pragmática que sancionava a lei aprovada nas Cortes de 1789, alterando
o quadro legal sucessório. A 10 de Outubro nascia uma filha, Isabel. A pragmática
abria dessa forma caminho para que a jovem princesa pudesse suceder a Fernando VII
à frente dos destinos da Espanha». In Autores Vários (J. B.; Auget Sylvan;
Francisco Lobo), D. Miguel e o fim da Guerra Civil, Testemunhos, Introdução de
António Ventura, Caleidoscópio, Centro de História da UL, Lisboa, 2006, ISBN
989-801-012-6.
Cortesia de Caleidoscópio/JDACT