sexta-feira, 1 de julho de 2016

O Legado dos Templários. Steve Berry. «De Molay ergueu a cabeça e tentou focar a imagem à sua frente. Viu o que parecia ser um pedaço circular de ferro negro com pregos fixos nos lados com as pontas viradas para baixo e para dentro»

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Paris. 1308
«(…) O vosso papa presta vassalagem ao meu suserano. Não irá salvar-vos. Era verdade. Os emissários do papa haviam deixado claro que transmitiriam a renúncia da sua confissão, mas duvidavam que isso pudesse alterar o destino dos templários. Dispam-no, ordenou Imbert. A bata que vestia desde o dia que se seguira ao seu encarceramento foi-lhe arrancada do corpo. De Molay não ficou propriamente aborrecido de a ver rasgada no chão, pois já tresandava a fezes e a urina. Porém, as regras da Ordem proibiam qualquer irmão de mostrar o corpo. Sabia muito bem que a Inquisição (maldita) preferia as suas vítimas nuas, desprovidas de orgulho, por isso instou-se a não vacilar face àquele acto insultuoso. Apesar dos seus cinquenta e seis anos, possuía ainda uma compleição forte. Tal como todos os irmãos cavaleiros, tomara bem conta de si. Manteve uma postura orgulhosa e perguntou num tom calmo: por que tenho de ser humilhado? O que quereis dizer? A pergunta encerrava uma entoação de incredulidade. Esta sala era um lugar de veneração e, apesar disso, mandais despir-me, sabendo que os irmãos reprovam tais comportamentos. Imbert baixou-se, abriu a arca e retirou do interior um longo tecido de sarja. Recaem dez acusações sobre a vossa preciosa Ordem. De Molay conhecia-as a todas e variavam entre a negação dos sacramentos, a adoração de ídolos, o lucro com actos imorais e a prática de actos homossexuais. Aquela que mais me preocupa, disse Imbert, é a vossa exigência de que cada irmão renuncie a Jesus Cristo Nosso Senhor e que cuspa e pise a cruz. Um dos irmãos contou-nos que alguns chegavam mesmo a urinar sobre uma imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz. Isso é verdade? Perguntai a esse irmão. Infelizmente, ele não resistiu às provações de que foi alvo. De Molay nada disse. O meu rei e Sua Santidade ficaram mais abalados com esta acusação do que com qualquer uma das outras. Como um homem da Igreja, por certo entendeis que a vossa renúncia de Jesus Cristo como nosso salvador os enfureceu. Prefiro dar contas apenas ao meu papa. Imbert fez um sinal e os dois guardas colocaram ferros em torno dos pulsos de De Molay e depois afastaram-se, esticando-lhe os braços sem se preocuparem com os seus músculos já danificados. O inquisidor retirou de sob as suas vestes um chicote com várias tiras. As pontas tiniram e De Molay reparou que cada uma delas era guarnecida com osso. I mbert arremessou o chicote em direcção às suas costas nuas. A dor invadiu-lhe o corpo e depois abrandou, deixando um ardor que não diminuía. Antes que a pele tivesse tempo de recuperar, sentiu outra chicotada e depois mais uma. De Molay não desejava dar a Imbert nenhum motivo de satisfação, contudo a dor subjugou-o e acabou por gritar. Não voltareis a fazer troça da Inquisição (maldita, digo eu) declarou Imbert. De Molay controlou as emoções. Sentia vergonha por ter gritado. Olhou fixamente para os olhos melífluos do inquisidor e esperou pelo seu próximo gesto. Imbert devolveu-lhe o olhar. Negais Jesus Cristo, dizeis que Ele era apenas um homem e não o filho de Deus? Desonrais a cruz? Pois, muito bem. Ireis ver o que é suportar a cruz. O chicote voltou a zurzir, dilacerando-lhe as costas, as nádegas e as pernas, e fazendo espirrar sangue de cada vez que as pontas de osso rasgavam a carne. Coroai o grão-mestre, gritou Imbert quando parou de o chicotear. De Molay ergueu a cabeça e tentou focar a imagem à sua frente. Viu o que parecia ser um pedaço circular de ferro negro com pregos fixos nos lados com as pontas viradas para baixo e para dentro.
O inquisidor aproximou-se. Ireis saber o que Nosso Senhor suportou. O Senhor Jesus Cristo que vós e vossos irmãos negais. A coroa foi-lhe ajustada na cabeça e depois empurrada para baixo. Os pregos enterraram-se na carne e o sangue escorreu das feridas, ensopando o cabelo oleoso. Imbert atirou o chicote para o lado. Trazei-o. De Molay foi arrastado pela capela até uma porta alta de madeira, que em tempos dera acesso aos seus aposentos privados, e obrigado a subir para um banco ali colocado. Um dos guardas segurava-o direito enquanto o outro permanecia alerta, não fosse o prisioneiro resistir. Contudo, estava demasiado fraco para os enfrentar. Os ferros foram retirados. Imbert entregou três pregos a outro guarda. O braço direito para cima, ordenou o inquisidor, tal como havíamos discutido. O braço foi esticado acima da cabeça. O guarda aproximou-se e De Molay viu o martelo. Compreendeu de imediato o que pretendiam fazer. Meu Deus. Sentiu uma mão prender-lhe o pulso e depois a ponta de um prego pressionada contra a carne suada. Viu o martelo inclinar-se para trás e escutou o barulho do metal contra o metal. O prego atravessou-lhe o pulso e ele gritou. Haveis atingido alguma veia? perguntou Imbert ao guarda. Nenhuma. Muito bem. Não é meu desejo que ele se esvaia em sangue. Quando jovem, De Molay combatera na Terra Santa durante a última cruzada em Acre. Recordava-se ainda da sensação da lâmina de uma espada a trespassar a carne. Profunda. Duradoura. Porém, um prego no pulso era algo infinitamente mais doloroso». In Steve Berry, O Legado dos Templários, 2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.

Cortesia PdomQuixote/JDACT