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Paris.
1308
«(…)
O vosso papa presta vassalagem ao meu suserano. Não irá salvar-vos. Era
verdade. Os emissários do papa haviam deixado claro que transmitiriam a
renúncia da sua confissão, mas duvidavam que isso pudesse alterar o destino dos
templários. Dispam-no, ordenou Imbert. A bata que vestia desde o dia que se
seguira ao seu encarceramento foi-lhe arrancada do corpo. De Molay não ficou
propriamente aborrecido de a ver rasgada no chão, pois já tresandava a fezes e a
urina. Porém, as regras da Ordem proibiam qualquer irmão de mostrar o corpo.
Sabia muito bem que a Inquisição (maldita) preferia as suas vítimas nuas,
desprovidas de orgulho, por isso instou-se a não vacilar face àquele acto
insultuoso. Apesar dos seus cinquenta e seis anos, possuía ainda uma compleição
forte. Tal como todos os irmãos cavaleiros, tomara bem conta de si. Manteve uma
postura orgulhosa e perguntou num tom calmo: por que tenho de ser humilhado? O
que quereis dizer? A pergunta encerrava uma entoação de incredulidade. Esta
sala era um lugar de veneração e, apesar disso, mandais despir-me, sabendo que
os irmãos reprovam tais comportamentos. Imbert baixou-se, abriu a arca e
retirou do interior um longo tecido de sarja. Recaem dez acusações sobre a
vossa preciosa Ordem. De Molay conhecia-as a todas e variavam entre a negação
dos sacramentos, a adoração de ídolos, o lucro com actos imorais e a prática de
actos homossexuais. Aquela que mais me preocupa, disse Imbert, é a vossa
exigência de que cada irmão renuncie a Jesus Cristo Nosso Senhor e que cuspa e
pise a cruz. Um dos irmãos contou-nos que alguns chegavam mesmo a urinar sobre uma
imagem de Nosso Senhor Jesus Cristo na cruz. Isso é verdade? Perguntai a esse
irmão. Infelizmente, ele não resistiu às provações de que foi alvo. De Molay nada
disse. O meu rei e Sua Santidade ficaram mais abalados com esta acusação do que
com qualquer uma das outras. Como um homem da Igreja, por certo entendeis que a
vossa renúncia de Jesus Cristo como nosso salvador os enfureceu. Prefiro dar
contas apenas ao meu papa. Imbert fez um sinal e os dois guardas colocaram
ferros em torno dos pulsos de De Molay e depois afastaram-se, esticando-lhe os
braços sem se preocuparem com os seus músculos já danificados. O inquisidor
retirou de sob as suas vestes um chicote com várias tiras. As pontas tiniram e
De Molay reparou que cada uma delas era guarnecida com osso. I mbert arremessou
o chicote em direcção às suas costas nuas. A dor invadiu-lhe o corpo e depois
abrandou, deixando um ardor que não diminuía. Antes que a pele tivesse tempo de
recuperar, sentiu outra chicotada e depois mais uma. De Molay não desejava dar
a Imbert nenhum motivo de satisfação, contudo a dor subjugou-o e acabou por
gritar. Não voltareis a fazer troça da Inquisição (maldita, digo eu) declarou Imbert.
De Molay controlou as emoções. Sentia vergonha por ter gritado. Olhou fixamente
para os olhos melífluos do inquisidor e esperou pelo seu próximo gesto. Imbert
devolveu-lhe o olhar. Negais Jesus Cristo, dizeis que Ele era apenas um homem e
não o filho de Deus? Desonrais a cruz? Pois, muito bem. Ireis ver o que é
suportar a cruz. O chicote voltou a zurzir, dilacerando-lhe as costas, as
nádegas e as pernas, e fazendo espirrar sangue de cada vez que as pontas de
osso rasgavam a carne. Coroai o grão-mestre, gritou Imbert quando parou de o
chicotear. De Molay ergueu a cabeça e tentou focar a imagem à sua frente. Viu o
que parecia ser um pedaço circular de ferro negro com pregos fixos nos lados com
as pontas viradas para baixo e para dentro.
O
inquisidor aproximou-se. Ireis saber o que Nosso Senhor suportou. O Senhor
Jesus Cristo que vós e vossos irmãos negais. A coroa foi-lhe ajustada na cabeça
e depois empurrada para baixo. Os pregos enterraram-se na carne e o sangue
escorreu das feridas, ensopando o cabelo oleoso. Imbert atirou o chicote para o
lado. Trazei-o. De Molay foi arrastado pela capela até uma porta alta de
madeira, que em tempos dera acesso aos seus aposentos privados, e obrigado a
subir para um banco ali colocado. Um dos guardas segurava-o direito enquanto o
outro permanecia alerta, não fosse o prisioneiro resistir. Contudo, estava demasiado
fraco para os enfrentar. Os ferros foram retirados. Imbert entregou três pregos
a outro guarda. O braço direito para cima, ordenou o inquisidor, tal como havíamos
discutido. O braço foi esticado acima da cabeça. O guarda aproximou-se e De Molay
viu o martelo. Compreendeu de imediato o que pretendiam fazer. Meu Deus. Sentiu
uma mão prender-lhe o pulso e depois a ponta de um prego pressionada contra a
carne suada. Viu o martelo inclinar-se para trás e escutou o barulho do metal
contra o metal. O prego atravessou-lhe o pulso e ele gritou. Haveis atingido
alguma veia? perguntou Imbert ao guarda. Nenhuma. Muito bem. Não é meu desejo
que ele se esvaia em sangue. Quando jovem, De Molay combatera na Terra Santa
durante a última cruzada em Acre. Recordava-se ainda da sensação da lâmina de
uma espada a trespassar a carne. Profunda. Duradoura. Porém, um prego no pulso
era algo infinitamente mais doloroso». In Steve Berry, O Legado dos Templários,
2006, Publicações dom Quixote, 2007, ISBN 978-972-203-808-9.
Cortesia
PdomQuixote/JDACT