Gravura antiga das Portas do Ródão
Cortesia de wikipedia
Um olhar diacrónico sobre o
território humanizado
«A região da Beira
Interior Sul é banhada pelo grande rio peninsular, o Tejo. É um território de
contrastes geo-ambientais, onde, para além do grande rio, se inscrevem algumas
das mais altas serras do distrito de Castelo Branco, bacias aluvionares,
superfícies planálticas e, consequentemente, ecossistemas variados, embora
alteradas pelo Homem ao longo de milénios.
Sendo uma zona de
trânsito obrigatório entre o Norte e o Sul do território continental e entre o
interior da Meseta e o litoral era previsível que o homem que por aqui tivesse
passado e se tivesse fixado, desde as épocas mais remotas, de um forma
permanente e rica de interacções culturais. A arqueologia deste território e o
diversificado património que ainda nele se conserva, embora muito delapidado
nos últimos trinta anos, comprovam essa perspectiva.
Os mais antigos
acampamentos do homem pré-histórico, no Paleolítico Inferior e no Paleolítico
Médio, podem ser encontrados nos terraços do Tejo, junto a Vila Velha de Ródão. Na Fonte das
Virtudes e na Foz do Enxarrique o Homem de Neandertal deixou fortes marcas da
sua presença nesta região.
Bem perto, para montante
e jusante das Portas de Ródão, ao longo de cerca de 40 km de margens do Tejo e
seus afluentes, entre os concelhos de Nisa
e Vila Velha de Ródão situou-se
um dos mais expressivos santuários póspaleolíticos ao ar livre, de toda a
Europa. Trata-se de um conjunto de mais de 30 000 figuras, geométrico-simbólicas,
representações de homens e de animais, em grande parte submersas pela albufeira
de Fratel, ilustrando um pensamento mágico-religioso já muito complexo.
Idanha a Velha
As comunidades
responsáveis por essas obras de arte gravadas na pedra enterraram os seus
mortos em sepulturas megalíticas (antas e mamoas) de que se conservam algumas
centenas principalmente no sul de Idanha-a-Nova,
em Proença-a-Nova e em Nisa. Estes monumentos encontram-se
entre as mais antigas obras de “arquitectura” conservadas nesta região. Da
etapa seguinte da presença humana, durante as Idade do Bronze e do Ferro,
conhecem-se principalmente povoados situados em pontos elevados, como o Monte
de São Martinho (Castelo Branco),
nos picos graníticos da área de Monsanto (Idanha-a-Nova) ou no extremo de cristas quartzíticas como em São
Miguel (Nisa) ou no Muradal (Oleiros), locais por excelência de
controlo da paisagem e da mobilidade das gentes. Os achados de armas ou jóias metálicas,
em bronze, em prata ou ouro, fazem aparição por toda a região, evidenciando a
importância dos objectos de prestígio naquelas comunidades.
A região tem a
particularidade de se situar em plena nação lusitana, abrangendo os
territórios de dois importantes populi, os Igaeditani e os Tapori.
E segundo os historiadores clássicos, as bodas de Viriato ter-se-ão realizado algures
neste último território, onde viveria Astolpas o seu sogro. Mas, é certamente
com a Romanização que ocorre o mais profundo processo de ordenamento deste
território e de exploração dos seus recursos naturais, até à exaustão. Na
complexa e hierarquizada rede de povoamento que então se estabelece emerge a
velha Egitânia (Idanha-a-Nova),
importante cidade, sede de civitas cujo esplendor chega até aos tempos
medievais e que contém a maior concentração de inscrições da Península.
Entretanto muitos outros vestígios, nomeadamente de vilas, se encontram
por toda a campina de Idanha e Castelo Branco, e neste último
concelho, especialmente no triângulo sagrado situado entre São Martinho,
Senhora de Mércoles e Santa Ana.
Por toda a região,
constroem-se inúmeras obras de engenharia que sobrevivem, por vezes com uso
quase até à actualidade, como pontes, calçadas (como as de Alpedrinha),
barragens. Exploram-se as melhores terras de aluvião. Da Idanha-a-Nova a Nisa e a Oleiros exploram-se minerais metálicos, a céu aberto ou em
galeria, e ouro de aluvião cuja marca mais impressiva se encontra no vasto
Conhal (Nisa) situado a jusante
das Portas de Ródão.
Arte rupestre
Com a queda do Império
atravessam-se tempos conturbados até à consolidação do Reino de Portugal. Esta
será durante muito tempo uma terra de fronteira entre os reinos cristãos e
muçulmanos, onde as ordens militares, do Templo, do Hospital e de Cristo, vão
dar um contributo definitivo à construção de uma nova realidade cujos símbolos
e instrumentos, do novo poder, são os inúmeros castelos da Raia que pontuam
locais estratégicos em quase todos os concelhos do sul da Beira.
Com o advento da
contemporaneidade há uma outra realidade que percorre e irmana todos estes
concelhos. São as invasões militares vindas de leste, nos séculos XVIII e XIX.
Os exércitos invasores entravam na Idanha
deixando rasto de conflitos, pilhagens e destruições por toda a região,
onde ainda se ouvem inúmeros relatos, sob a forma de lendas e sítios com
história. Chegados à muralha natural constituída pelas serras das Talhadas, do
Muradal e dos Álvelos ainda se podem ver fortes e baterias posicionados sobre
as zonas de passagem obrigatória na rota para Lisboa. De entre estes merecem
destaque as fortificações da Ponte do Alvito, na fronteira entre Proença-a-Nova e Castelo Branco e os de Vila Velha de Ródão, protegendo a
passagem do rio na área das Portas». In Associação
de Estudos do Alto Tejo, Arqueologia e Património Construído na Região do Alto
Tejo Português, PDF.
Cortesia de AE do Alto Tejo/JDACT