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«Contudo a situação financeira do monarca Manuel I não era desesperada.
Ainda lhe foi possível sobreviver a muitas crises; foi seu filho e sucessor
João III quem sentiu todo o peso da demasiada expansão económica de Manuel I.
Aos olhos dos contemporâneos, as falhas do rei e os seus erros de julgamento
não eram suficientemente graves para ofuscar o esplendor e o deslumbramento da
época. Toda a nação portuguesa apoiava inteiramente as viagens marítimas do
reinado de Manuel I; o povo embriagava-se com as riquezas resultantes dos Descobrimentos
e esperava receber o seu quinhão.
Não seria justo, apesar de tudo, ver nos lucros o móbil principal desses
feitos. Como governante de Portugal, o rei também possuía o título de Grão
Mestre da Ordem de Cristo; tinha plena consciência da oportunidade e da
obrigação de espalhar a religião cristã por lugares distantes por esse mundo
fora.
Finalmente, não se pode negar que o lado mais positivo do carácter de
Manuel I compensava plenamente as suas limitações, pelo menos na opinião de
Gois. Contra as acusações de insinceridade e de indecisão feitas ao monarca por
alguns observadores ergue-se o quadro mais lisonjeiro que Damião de Gois faz do
rei. O humanista, apesar dos seus reparos francos a Manuel I, via nele um
soberano essencialmente generoso e de espírito aberto. Tentou mostrar esse aspecto
do carácter do rei ao citar o exemplo de Albuquerque, que Manuel I mais tarde se
arrependeu profundamente de ter maltratado, procurando remediar a situação.
Góis também elogiou o rei pela reabilitação dos Braganças, mas a verdade é que
o rei era dessa família. Muitos anos depois da morte do soberano, Gois escreveu
um ‘retrato à pena’ no estilo realista típico do humanismo do Renascimento, no
qual o descrevia como tendo traços físicos delicados e sendo bem proporcionado,
embora os braços fossem invulgarmente compridos, com farto cabelo castanho e
olhos esverdeados; Gois sublinhava a natureza simpática do rei, a sua
liberalidade, e a atmosfera de contentamento que reinava na corte. O facto de
Gois considerar Manuel I sinceramente como seu "creador" e
"educador” sugere que o rei tinha notáveis qualidades de governo e talento
como orientador.
Durante a adolescência de Gois o rei observava o ritmo regular do
crescimento do jovem cortesão e achou-o manifestamente à altura das suas expectativas
iniciais, pois que o nomeou para um importante posto no estrangeiro quando ele
só tinha dezanove anos de idade. O facto de Góis estar presente na câmara real
durante a última doença do rei prova o afecto sincero que o monarca sentia por
ele.
Com a morte do Rei Manuel I em 1521 chegaram ao fim os anos de formação
de Góis. Mas dentro em pouco, além de cumprir tarefas oficiais, Gois pôde
continuar a educar-se e a ter oportunidades para realizar a capacidade de
intelectual que a vida no palácio de Manuel I estimulara». In Elisabeth Feist
Hirsch, Damião de Góis, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1967.
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