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«Por outro lado, a actividade editorial portuguesa não em grande nos
primeiros tempos. O cuidado a haver é sobretudo com os livros que entram, mas
levará, tempo a que se formulem os róis de livros defesos. Competia aos bispos
velar pela fidelidade à doutrina, nos termos de instruções que parecem remontar
a Gregório XI, no tempo do rei Fernando.
Dos livros dos copistas para os dos impressores não houve alteração. O ‘ordinário’
manterá a fiscalização sobre o pensamento até se estabelecer o Santo Ofício. Não
nos parece que até à Inquisição (maldita) tenha havido cuidados especiais com a
escolha de mestres estrangeiros chamados a Portugal nem com os centros universitários
aonde se mandavam os estudantes portugueses. Lutero causara divisão na Igreja
de Deus, e a grande prevenção, a par do judaísmo, passa a ser a heresia. E,
como a heresia, a subtileza erasmiana que advoga, sobretudo, a liberdade do
pensamento. Com essa liberdade do pensamento está o conceito “Da Dignidade do
Homem” que será o título de uma das obras de ‘Pico della Mirandola’. Mas as
prevenções contra Erasmo não parecem ter dominado muito a corte portuguesa, uma
vez que em 1527, ainda ele consagrava as “Chrisostomi Lucubrationes” a João III
e até lhe foi dirigido convite para vir a Portugal.
Nesse ano de 1527 reunia-se em Valhadolid uma ampla assembleia de
teólogos convocada pelo grande inquisidor (maldito) Manrique, arcebispo de
Sevilha, para estudar a ortodoxia das obras de Erasmo. Três portugueses nela
participaram:
- Pedro Margalho,
- Diogo de Gouveia,
- Estêvam de Almeida.
Todos três se pronunciaram contra Erasmo e os perigos que as suas obras
representavam para a fé católica. Na frase ‘admirável’ Estêvam de Almeida,
Erasmo ‘revela-se um homem amigo de novidades’.
A espiritualidade erasmiana penetrava fundo em Espanha, por essa
altura. A tal ponto que Alonso de Valdés poderá escrever, nesse mesmo ano:
- ‘Erasmo, ou para me expressar melhor, a verdade cristã, tem por defensores todos os teólogos de Alcalá, menos um só... Os outros sete (entre os quais se conta esse Carranza que antes caluniava Erasmo e hoje o defende com ardor) são-lhe muito favoráveis’.
Mas, em Portugal o caso é muito diferente. Por isso o embaixador português
informará João III da atitude dos três teólogos portugueses:
- ‘… e estes todos três impugnam o Erasmo largamente e muitos se tornam com eles. E creio que sairão com a opinião’.
É também nesta altura que Aires Barbosa redige o seu “Antimoria”, em resposta
ao “Elogio da Loucura (Moria)” de Erasmo. Aquele humanista, que estudara em
Salamanca e Florença, que ensinara depois durante muitos anos em Salamanca e de
lá fora chamado, em 1520, por João III para mestre de seus irmãos, os infantes
Afonso e Henrique, morreu em Aveiro, sua terra natal, em 1540. O livro será impresso
em Santa Cruz de Coimbra em 1536, o ano do estabelecimento da Inquisição
(maldita). É também o ano da morte de Erasmo». In Raul Rego, Os Índices
Expurgatórios e a Cultura, Biblioteca Breve, Pensamento e Ciência, Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa, 1982.
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