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Herculano perante a Regeneração
«O “élan” da revolução, que vinha do Setembrismo, estava quebrado desde
que ela se contentara com uma meia vitória; e a única organização que
continuava efectivamente a funcionar era a rede de influências e relações dos
antigos políticos cartistas. As condições internacionais eram também
desfavoráveis a este governo, que representava uma excepção e um anacronismo
numa Europa reaccionária. A ressaca facilmente varreria esta última e débil vaga
do movimento de 48. Saldanha não era evidentemente a pessoa interessada em
remar contra a corrente.
O pretexto para o rompimento da aliança em que se baseava o governo foi
a questão dos crimes políticos do Cabralismo. O ministro do Reino, Ferreira
Pestana, decidira apurar as responsabilidades dos funcionários administrativos
nomeados por Costa Cabral nas violências e irregularidades eleitorais do regime
deposto. Saldanha opôs-se a esta obra de saneamento e limpeza, que parecia indispensável
a uma verdadeira ‘regeneração política’, e que estava implícita no programa
exposto na sua proclamação de Maio. Os ministros de tendência reformista
viram-se obrigados a acompanhar o ministro do Reino na sua demissão: o duque de
Loulé, Joaquim Filipe de Soure, Franzini, e Jervis de Atouguia.
Assim acabou, aquilo a que chamaríamos apropriadamente o ‘ministério Herculano’.
O novo ministério, que se apresentou em 7 de Julho, representava um
triunfo para os políticos cartistas, Tinha por figura central Rodrigo da
Fonseca, no Reino (hoje diríamos Interior); e como novidade, nas Obras Públicas,
um moço engenheiro que apoiara discretamente o Cabralismo, António Maria Fontes
Pereira de Melo.
Rodrigo, a quem temos aludido várias vezes, alcunhado de ‘Raposa’, representou
em Portugal o tipo mais acabado de político parlamentar profissional,
absolutamente destituído de programas sérios, dextro e experiente na intriga
parlamentar e nas manobras de bastidores que as preparam.
Atribui-se-lhe a opinião de que fica mais barato comprar deputados já
feitos, como as casas, do que pagar a eleição a deputados favoráveis. A sua péssima
reputação levara o monarca Pedro, em 1834 a recusar a sua entrada no
ministério. Fora em tempo amigo e protector de Herculano, que lhe dedicara em
1838 o primeiro fascículo da “Harpa do Crente”, e que lhe devia entre outras
coisas a eleição para deputado pelo Porto em 1840. Entre Herculano e Rodrigo
vai travar-se, até à morte deste, em 1858, um duelo feroz, que além de um fundo
pessoal, mal conhecido, exprime o contraste entre duas políticas.
Herculano lançou-se imediatamente no combate ao ministério ‘rodriguista’.
No mesmo mês de Julho em que este se constituiu, lançou “O Paíz”, diário
financiado pelo Marquês de Niza, em que colaboravam além de Herculano, António
de Serpa, Pinto Carneiro, Ernesto Biester, Bulhão Pato e Andrade Corvo, que
figurava como redactor principal. O jornal acusava abertamente o governo de
pactuar com o Cabralismo, de manter agentes cabralistas na administração, de
alterar num sentido anti-democrático a lei eleitoral proposta pela comissão de
que fizera parte Herculano. Com as eleições em Outubro considerou “O Paíz”
terminada a sua missão». In António José Saraiva, Herculano Desconhecido.
1851-1853, Edições SEN, Porto, 1953.
Cortesia de Edições SEN/JDACT