Rasgos longitudinais nos pilares da igreja. Encinasola
Cruz gravada na umbreira da janela. Encinasola
cb e jdact
As Cruzes
«Ainda que as figuras cruciformes sejam anteriores a Jesus Cristo e já
sejam também conhecidas no mundo vetero-testamentário, foi o cristianismo que
se apoderou da cruz como símbolo identificador, pela morte de Cristo crucificado.
Assim, a marcação de uma cruz num determinado espaço pode ser compreendida como
um elemento de cristianização desse espaço. Consideramos também que o hábito da
marcação de cruzes, sobretudo nas ombreiras das portas, independentemente da
intenção de quem as marcou, seja um ritual de carácter mágico/religioso cuja
origem deve procurar-se na tradição religiosa hebraico/judaica de marcar nas
ombreiras das portas, a marca na “mezuzah”, a afirmação do culto monoteísta.
Depois de analisados os dados recolhidos no conjunto das 43 povoações estudadas
verificamos que as cruzes, acompanhadas ou não da gravação de uma data, se
apresentam, geralmente, nas ombreiras direitas ou esquerdas das portas,
existindo ainda casos em que estas foram gravadas nas ombreiras das janelas,
nas soleiras, ou nos lintéis das portas, ou ainda nos muros e paredes de fortificações
e igrejas. Encontramos também casos em que a gravação de cruzes ocorre nos
cunhais de uma casa, como em Évora na Rua dos Mercadores ou de uma igreja, caso
de Marvão na Igreja de Sta Maria. A gravação de cruzes verifica-se não só em
habitações, mas também em moinhos, casos de Castelo de Vide e Alpalhão, fontes
públicas, casos de Castelo de Vide e Vila Viçosa e ainda em templos como em
Vila Viçosa, Estremoz, Monforte, Marvão, Trujillo, Alcântara, Zamora e
Barcelona ou em fortificações como no Redondo, Monsaraz, Vila Viçosa,
Alandroal, Celorico da Beira e Almeida. Noutros casos foram gravadas cruzes em
rochas ou monumentos megalíticos. No que diz respeito a este género de
marcações, as cruzes, verificamos ainda que, apenas em duas localidades,
Estremoz e Belmonte, podemos identificar a prática da marcação de cruzes
invertidas.
As Marcas na Mezuzah
O texto do Shemá Israel, constitui a oração fundamental do povo judaico
e é assim denominada por, as primeiras palavras desta oração serem Shemá Israel,
que significa “Escuta Israel”. O Shemá Israel é uma verdadeira afirmação do
culto monoteísta, que manda recordá-lo a cada momento da vida e procura evitar
o seu esquecimento por diversas formas e também pela obrigação do crente o escrever
nas ombreiras das portas da sua casa. Este é um texto vetero-testamentário que
pode ser encontrado no “Livro do
Deuteronómio” capítulo 6, versículos 4 a 9, ou nas releituras de Dt 11
,13-21 e ainda em Ex 13,9.16:
- "Escuta Israel, O Senhor e só ele é o nosso Deus. Ama o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Que os mandamentos que hoje te dou estejam sempre na tua memória. Ensina-os continuamente aos teus filhos e repete-os, tanto ao deitar como ao levantar, quer estejas em casa, quer vás de viagem. Deves trazê-los no teu braço como um distintivo, na tua testa como emblema. Escreve-os nas ombreiras das tuas portas e em todos os teus portões". Dt 6,4-93.
A obrigação de marcar na “mezuzah”, palavra hebraica para ombreira de
porta, a adesão ao culto monoteísta judaico, pode explicar a identificação de
concavidades de cerca de 10 cm de altura e cerca de 2 cm de largura e outros
tantos de profundidade, nas ombreiras de algumas portas.
As marcas na “mezuzah” identificam-se, geralmente, na jamba direita a
cerca de 2/3 de altura a partir da soleira da porta. Conhecemos apenas dois
casos, um em Monsaraz e outro em Évora, em que a marca na “mezuzah” se encontra
na jamba esquerda ou na pedra de soleira de uma porta, apresentando o silhar
granítico em que estas foram abertas, sinais de reutilização.
Estas concavidades destinar-se-iam a guardar um estojo que continha no
seu interior um pequeno pergaminho em que escreviam as palavras de Dt 6-4-9; 11,
1 3-21. Um notável exemplo de estojo contendo o respectivo rolo do Shemá, encontra-se
na Biblioteca Pública de Évora. O estojo consiste num fragmento de cana que foi
devidamente preparado para guardar no seu interior um pequeno manuscrito em que
se pode ler, em escrita quadrada hebraica, a oração do Shemá com os versículos
de Dt 6,4-9; 11, 13-21. Demos já informação sobre marcas na “mezuzah”
identificadas em edifícios de Castelo de Vide, Évora, Monsaraz, Albuquerque
(Cáceres), e Trujillo bem como, sobre alguns casos em que nos parece existirem
marcas na “mezuzah” posteriormente cristianizadas, casos de Nisa, Albuquerque e
Valência de Alcântaras.
O desenvolvimento do nosso trabalho permitiu agora identificar em Castelo
de Vide outra marca na “mezuzah” aberta no portal granítico localizado, actualmente,
no interior de uma habitação da Rua da Judiaria, dois outros casos na Rua das
Aldas, no Porto, bem como outros dois casos no interior da Judiaria de Évora.
Em Évora, num dos novos casos identificados, a
marca na “mezuzah” localiza-se, como é comum, ainda que parcialmente cheia por
argamassa, na jamba direita da porta duma casa na Rua da Moeda. Noutro dos
casos identificados em Évora, a marca na “mezuzah” encontra-se na face externa
da pedra de soleira duma casa situada na Travessa do Barão, arruamento onde se
localizaram duas das sinagogas medievais desta cidade». In Carmen Balesteros, Ibn Maruán, Revista
Cultural do Concelho de Marvão, Coordenação de Jorge Oliveira, nº 7, 1997.
Cruzes em cunhais de habitação. Vila Viçosa
As ombreiras da porta apresentam várias gravações. Celorico da Beira
cb e jdact
Cortesia da C. M. de Marvão/JDACT