«Olhemos agora o quadro clássico da cidade porque é, sem dúvida uma das
mais belas vistas de Portalegre, com a ermida de S. Cristóvão, 1á em cima, à
direita, e o extenso terraço no qual sobressaem as torres da alcáçova e, à esquerda,
o edifício da Sé, dominando tudo. À nossa frente, temos todo o arrabalde da
Devesa ou do Rossio, em cascata, mostrando-nos os muros medievais, a Mouraria,
a igreja profanada da Misericórdia, o arco da Devesa, a igreja (nova ) de São
Lourenço e a longa rua direita, tudo se encaminhando para o Rossio e, nas nossas
mãos, reunimos os elementos fundamentais que nos vão ensinar como nasceu e como
se desenvolveu a vila que o monarca Dinis acabou de cercar de muralhas em 1290.
Portalegre é assim, como povoado importante, uma localidade recente. As
suas origens são, porém muito antigas, mesmo muito antigas.
Aceitámos que, nos alicerces da área da Sé actual, se encontrem os restos
duma antiquíssima povoação castreja, ibérica, celtibérica, lusitana, talvez
romana e paleocristã que talvez até date do período megalítico. Aquele belo
largo e aquele lindíssimo templo seiscentista destoam amplamente de tudo em
volta e repousa sobre os próprios muros da defesa da vila. Ali estiveram
edificadas três pequenas igrejas e a sinagoga não deve ter sido longe.
A geomorfologia da cidade actual evidencia-nos que Portalegre se implantou
e se desenvolveu fundamentalmente num terraço amplo encimado a Nascente pelo
alto onde está a ermida de S. Cristóvão e que termina abruptamente a Ocidente
pelo edifício da Sé onde fica a porta do Crato mas pela qual não extravasou
nenhuma arrabalde medieval. Só alguns séculos depois aí se instala o portim de
S. Pedro, próximo das ermidas de S. Bartolomeu e de S. Pedro.
A fertilidade do solo próximo da vila, sobretudo a Poente, a extensão
da vista que dela se observa, a relativa abundância em águas vindas da serra e
que correm todas para o Rossio, a encosta enladeirada da mesma serra, rica em floresta,
a várzea que separa a cidade do monte da Penha de S. Tomé e a amenidade do clima,
tão áspero na serra como é duro na planície, que se alonga a sul e a oeste, são
elementos que nos levam a admitir e aceitar essa hipótese.
Diz a tradição que as origens de Portalegre se encontram num povoado
antigo localizado por detrás da ermida de S. Cristóvão, próximo do Atalaião, e
reza que por ali decorreu a uma lenda de inspiração helénico-romana de amores
violentos com referências à pastorícia e a um rio. Frei Amador Arrais, que foi
homem de letras e bispo de Portalegre, deixou, nos seus “Diálogos” (1589) e
Sotto Mayor, mais tarde (1619), confirmou essa tradição.
Estes dados levaram-nos a que fizéssemos prospecções no terreno e, na
realidade, julgamos haver identificado a existência dum povoado ou castro a
nascente daquela ermida, no extremo da crista que domina o vale das Covas de Belém
onde correm as águas do ribeiro do Baco.
Acreditamos que, na área do terraço geológico onde, no sécu1o XVI , se
edificou a Sé episcopal e onde antes existia uma igreja cristã, a igreja de
Santa Maria Maior, que tinha próximo mais duas outras igrejas, a igreja de
Santa Maria do Castelo e a igreja de S. Vicente, já demolidas (desta última ainda
persiste o nome do largo), e talvez até a sinagoga, houvesse também um pequeno
povoado castrejo, possivelmente o “Portelo”. Não nos repugna admitir que, por
debaixo, possa também ter havido uma mesquita, uma igreja paleocristã ou até um
santuário megalítico.
Lembremo-nos de que as antas constituem rum achado banal em toda a
região da serra de S. Mamede e que se conhecem vestígios bem perto de Portalegre
(Fortios, Monte Nogueiro, Crato, Misericórdia, etc.). O mesmo acontece com os
povoados celtibéricos». In Caria Mendes, Notas acerca das Origens de
Portalegre. Uma questão de Geografia Humana, Faculdade de Medicina de Lisboa,
Actas do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de 1987.
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