Cortesia de igespar
«Em primeiro lugar, com
a investigação no terreno, ao mesmo tempo que eram relocalizados os sítios
arqueológicos, começou a verificar-se a existência de inúmeros troços de vias de
sulcos que passavam junto dessas estações e que poderiam fazer parte de vias romanas.
Após o levantamento de todos esses troços, de que apenas alguns estão no Catálogo
das Estações, mas que foram todos assinalados nas cartas topográficas,
procedeu-se à elaboração do traçado das suas trajectórias. Os troços a cheio
(vermelho e preto) correspondem a troços identificados no terreno e o
tracejado, ao seu provável desenvolvimento. Para mais fácil referenciação
atribuíram-se códigos numéricos a cada um dos traçados assinalados nas suas
pontas e letras para identificar as variantes à estrada principal.
Para fazer o contraponto
entre traçados de vias e sítios arqueológicos (qualquer que seja a sua
natureza) permitem obter uma visão de conjunto de todos os dados compulsados. Assim
definiu-se a Via 1, de sul para norte, com atravessamento do Tejo em Amieira,
provinda de Augusta Emerita, passando por Envendos, Vale da Mua,
Freixoeiro, Cardigos, Ponte dos Três Concelhos, Serra da Longra, Sertã, Pedrógão
Pequeno e Pedrógão Grande, em direcção a Conimbriga. Em todos estes locais há
evidência de estações arqueológicas, quer sejam romanas ou anteriores. A seguir
à Amieira temos a estação romana de A Tapada (136), no Vale da Mua, as estações
romana e tardo-romana de Vale Bom (123) e Casal (122), mais à frente passava em
A Moradeira (115), estação tardo-romana, na base do castro do Bronze Final de
Castelo do Santo (120), subia a Cardigos ao Chão do Pião (111), passava a Casas
da Ribeira (109) onde se achou uma inscrição romana inédita, direita à Ponte
dos Três Concelhos (034); antes da ponte e do lado direito existem também vestígios
romanos (em frente da Portela dos Colos) (108) e um pouco mais para a direita
temos a Chaveira (107).
Cortesia de igespar
Em segundo lugar, iremos
analisar um dos traçados melhor documentados com documentos medievais, na área
em estudo e que constitui um divertículo à via referida anteriormente. Fruto
das investigações levadas a cabo pelo autor e por Filomena Gaspar, na área dos concelhos
de Vila de Rei e Sertã, através da realização de levantamentos arqueológicos,
consumados posteriormente em monografias arqueológicas, viriam a ser
localizados vários vestígios que apontavam para a existência de uma via romana.
A consulta da bibliografia disponível para a área e a leitura de alguns
documentos medievais mais reforçaram essa ideia, que neste trabalho se procura
consubstanciar.
Não se pode falar de
vias ao estilo clássico, pavimentadas com lajes. É, antes de mais, uma via de
sulcos escavados na rocha, com um ou outro local lajeado, onde a progressão era
mais difícil. O que existe de mais palpável são duas estradas antigas, cuja memória
e vestígios no terreno estão a desaparecer quase totalmente. Ambas são
referidas por quase todos os autores que ao concelho de Vila de Rei dedicaram
poucas ou muitas páginas. Na totalidade dos casos, limitaram-se a citar os seus
antecessores, sem terem feito uma pesquisa mais apurada, para as poder destrinçar
no meio dos silvados ou sob o alcatrão dos tempos modernos. Sem a prospecção no
terreno não seria possível delinear a plausibilidade das suas trajectórias, nem
localizar algumas estações arqueológicas que, sendo de época romana, nos dão
quase a certeza do seu trajecto.
Cortesia de igespar
O primeiro e principal
documento que nos fala destas duas estradas e da Ponte dos Três Concelhos é a
Doação da Guidimtesta, de 1194, em que o rei D. Sancho I doa à Ordem do Hospital,
depois Malta e finalmente do Crato, um território para nele edificarem o
Castelo de Belver. Dos seus limites interessa-nos o ocidental, porque foi
efectuado a partir de uma estrada que já existia certamente. Essa estrada não
era mais do que uma via romana que vinda de Emerita Augusta, atravessava
o rio Tejo na Amieira, passava inicialmente a nordeste de Amêndoa por Cardigos,
Ponte dos Três Concelhos, ia à Sertã (onde o autor localizou recentemente vestígios
romanos, Pedrógão Pequeno, Pedrógão Grande e se dirigia a Conimbriga. Mas
a estrada de que os documentos falam, desviava da V1, depois de passar o Tejo e
dirigia-se à Ponte dos Três Concelhos, passando pelo lado esquerdo da
principal, servindo de delimitação ao concelho de Gavião, passava à provável
aldeia romana de Vale do Grou, Castelo Velho do Caratão, Castelo e Amêndoa
(V1b).
Essa estrada marcou o
limite oriental do futuro concelho de Vila de Rei, a quem o rei Dinis deu foral
em 1285. Começava ele no cruzamento da estrada que vai para Mação, passava
possivelmente no Chão de Lopes Pequeno, Fonte da Amêndoa (as fontes eram muito
importantes para os romanos), Amêndoa, capela de Santa Madalena, Tinfaneiros, Várzea,
Algar, Portela dos Colos, Colos e Ponte dos Três Concelhos. Ao longo desta
estrada existem vários vestígios romanos (e até mesmo anteriores), que nos
apontam para a forte probabilidade de ela ser de origem romana, se não mesmo
anterior. Assim, a estrada passava ao longo de dois castros: Amêndoa (117), com
vestígios do Bronze Final e Idade Média e São Miguel (116), com ocupação da
Idade do Ferro (?) e época romana e visigótica, distantes 1 km um do outro, mas
à beira da estrada, do lado esquerdo. Do lado direito, temos uma villa ou
mutatio romana com mosaicos (118).
Cortesia de igespar
Ao longo da estrada, mas
do lado esquerdo (concelho de Vila de Rei) temos ainda o Monte de São João
(061) e Poço Caldeiro (060), de época tardo-romana ou visigótica, embora
inicialmente a tivéssemos considerado de época medieval ou moderna. No sentido
nordeste-sudoeste passava uma outra estrada (V2), referida na Doação da Guidimtesta,
que viria de Igaeditania (Idanha-a-Velha), passava a Castelo Branco,
Cardigos, Várzeas, Vila de Rei, Foz do Codes, Porto de Caíns (rio Zêzere),
Bairrada, Poço Redondo, Paixinha e Seilium (Tomar). No Porto de Caíns,
para além da direcção para Tomar, ela tomava a direcção de Conimbriga, passando
ao lado de Ferreira do Zêzere, num troço fazendo parte da V3. Limitava o Termo
de Ceras, doado por D. Afonso Henriques aos Templários, em 1159, pelo lado
oriental. Os Templários e a Ordem de Cristo colocaram aí marcos divisórios,
numa situação semelhante à estrada da Doação da Guidimtesta». In Carlos
Moutoso Batata, Trabalhos de Arqueologia 46 – Idade do Ferro e Romanização
entre os rios Zêzere, Tejo e Ocreza, capítulo VIII, IPPBLIV06382401, 2006.
Cortesia de
IGESPAR/JDACT