sábado, 26 de maio de 2012

O Crime de Arronches. Fernando F. Martinho. «Seria injusto não evidenciar a riqueza do vocabulário desta pequena peça de teatro que nos obriga a uma consulta frequente do dicionário, expressões como ‘birbante’, ‘esmoleira’, ‘bargante’, ‘recoveiro’, ‘melgueira’, ‘remoques’, e muitos outros termos. Por último, e este não é o menor mérito da peça, é de salientar que não foi esquecida a situação da mulher que, no século XVI»



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2ª Parte
«De certo modo, esta obra até pode surpreender o leitor por nela podermos observar alguns valores sociais e políticos que ainda permanecem no nosso país actualmente. É sabido que o Portugal de hoje evidencia um carácter tradicional e ao mesmo tempo um carácter moderno. Talvez possamos aplicar isto à luz da História de longa duração (a estrutura) como se o limite entre o móvel e o imóvel fosse nesta ciência, e de facto é, pouco percetível. E que o desenlace de "O Crime de Arronches" não é de todo em todo inesperado. Palhoça é, de facto, o autor do crime, em legítima defesa, porém. O Tição tentou antes acercar-se de Margarida (mulher do Palhoça) com intuitos que facilmente se adivinham e o marido desta ultima tentando impedir aquilo que parecia inevitável reage de tal maneira que o confronto físico entre ambos termina com a morte do criado do Bispo da Guarda (Tição). O corpo deste vai aparecer bem distante do local onde ocorreu o crime em que nem a roupa escapou ao furto por parte de um grupo de ciganos. Talvez sejam estes mesmos ciganos, que depois do furto foram capturados, até confessaram a sua prática, os personagens que ao fim e ao cabo ajudam a explicar a solução encontrada pela Justiça para resolver o caso do assassinato do Tição. A absolvição, ou melhor, o perdão de Sua Alteza bem expresso nestas palavras:

"... por não se provar o roubo, mas antes o legítimo desforço de um homem afrontado em sua honra..."

São a confirmação de que a Justiça pode funcionar eficazmente apesar de ainda persistir
no nosso país, herança de vários séculos, uma mentalidade desculpabilizadora, onde não há culpados e, expressão muito em voga, a "Justiça morreu solteira". Seria injusto não evidenciar a riqueza do vocabulário desta pequena peça de teatro que nos obriga a uma consulta frequente do dicionário, expressões como ‘birbante’, ‘esmoleira’, ‘bargante’, ‘recoveiro’, ‘melgueira’, ‘remoques’, e muitos outros termos. Por último, e este não é o menor mérito da peça, é de salientar que não foi esquecida a situação da mulher que, no século XVI, apesar de se encontrar num patamar juridicamente baixo, em relação ao companheiro, é aqui apresentada como uma criatura cheia de coragem, de ‘antes quebrar que torcer’, plena de perseverança e de coragem. Essa mulher, de nome Margarida (mulher do Palhoça) para além de inseduzível e de resistir a tudo o que é insidioso fornece-nos a prova de que marido e mulher no século XVI, mais do que diferentes, eram de facto complementares.
Muitos discutem hoje o papel da mulher na sociedade actual. Mas nas sociedades de antanho, podemos sem dúvida afirmá-lo, o papel da mulher não era assim tão redutor como muitos pensam.
Não foi minha intenção, nem poderia sê-lo, fazei uma síntese da obra de Henrique Lopes de Mendonça. Mas isso não é sinónimo de menosprezo pela mesma. E antes a de permitir, a quem quiser ler o livro, de descobrir por si próprio os seus principais triunfos. A isto não será alheio o facto de se reconhecer que referências a Portalegre, Crato e Arronches poderem ser estímulos para a leitura da obra em causa. E que o autor de *A Portuguesa”, nos concedeu o privilégio de saber da importância daquelas terras (assim como da figura do Bispo da Guarda que tanto diz à cidade de Portalegre) no nosso passado. Importância que nós não queremos menor nos dias de hoje». In Fernando Figueiredo Martinho, O Crime de Arronches, Revista Plátano, nº 4, 2008, Fórmula Gráfica.

Cortesia de Plátano/JDACT