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«Estavam, por direito canónico, confirmado a partir de meados de
trezentos pela ordenação régia, coagidos ao apartamento, ou seja, ao
encerramento e à abertura da judiaria ao pôr e ao nascer do so1, para obstar
aos excessivos contactos entre judeus e cristãos e, assim, evitar a apostasia
destes, devido à convivência perniciosa com aqueles. Se esta fora a principal
preocupação das autoridades cristãs, ela não desagradou totalmente à minoria
que assim igualmente se preserva melhor da abjuração dos seus membros.
A comuna possuía os seus magistrados eleitos, à frente dos quais se encontravam
os dois rabis menores, a câmara de vereação, constituída pelos homens bons, e o
tribunal. O local de reunião era a sinagoga. Por direito, cabia-lhe fazer as
suas posturas e ordenações internas.
Os rabis menores julgavam em primeira instância todos os casos cíveis e
crimes entre judeus ou entre judeus e cristãos, quando aqueles fossem réus.
Apenas as comunas mais populosas teriam cadeia própria, mas os judeus eram
julgados segundo o direito talmúdico, sempre que réus, podendo apelar da
sentença quer para o rabi mor ou os seus ouvidores, quer para o rei. As penas
eram diversas pois os judeus seguiam também a lei geral do reino, indo por
isso, desde a excomunhão aos castigos corporais, ao degredo e ao enforcamento.
Os rabis eram eleitos por pelouros tal como os restantes oficiais da comuna.
Coadjuvavam-no os vereadores que tinham assento na câmara de vereação,
juntamente com os procuradores e os homens bons da comuna. A ratificação era
feita pelo rabi mor em nome do soberano. Os cargos eram anuais e não reelegíveis
no ano imediato ao do mandato, desde as cortes de Elvas de 1361, mas as
excepções deviam ser a regra nestas pequenas comunidades onde não abundariam
certamente muitos indivíduos letrados. Em Elvas, José Amigo, servidor de Afonso
V, foi designado rabi da comuna a partir de 1455 e de novo em 1458, “ataa
merçee d’el-rei”. Em 1475, mestre Abraão, físico e cirurgião, foi nomeado por
três anos, rabi desta comunidade.
À câmara de vereação cabia, juntamente com os procuradores e o tesoureiro,
administrar os bens, as rendas e dinheiros da comunidade, orientando as verbas
destinadas à assistência, ao ensino e à conservação dos edifícios públicos.
Pertencia-lhe lançar peitas, fintas, talhas, pedidos e empréstimos sobre os
seus habitantes, a fim de custear eventuais despesas da comuna ou pagar os
tributos ao concelho e ao monarca. Não temos qualquer conhecimento se aos actos
de repartição dos impostos e do prestar das contas anual estavam presentes os
procuradores do povo miúdo, ou seja, dos mesteirais judeus, à semelhança do que
ocorria em Lisboa e Évora.
Tal como o concelho, também a comuna conheceu uma oligarquia de
poderosos, constituída por físicos, mercadores, ourives, tabeliães. Opunha-se a
esta minoria de ricos, a maioria dos "pobres" da comuna, aqueles que
por trabalho e ignorância estavam afastados do poder desta e que era
constituída por mesteirais, tendeiros e assalariados. Não conhecemos as suas
queixas contra os privilégios e isenções dos mais ricos e poderosos mas é
provável que tal tenha ocorrido à semelhança do que sucedeu com a repartição da
aposentadoria, sobretudo em Elvas, porventura a comunidade mais importante
desta região.
Quem eram estes poderosos? A documentação não é abundante a este respeito,
mas permite-nos distinguir três grupos:
- os ricos, os ‘potentes’ economicamente falando;
- os privilegiados, ou seja, os que temporária ou vitaliciamente estavam isentos do pagamento de parte ou da totalidade dos impostos ou serviços ao rei, à comuna e ao concelho;
- os intelectuais, os poderosos pela detenção da sabedoria. Isto não quer dizer obviamente que a cultura e o privilégio estivessem dissociados do poder económico, antes pelo contrário.
Mas o privilégio também podia ser permissão para viver entre os cristãos,
para se deslocar em besta muar ou de dispensa do uso do sinal distintivo no
exterior do vestuário.
Tomemos como exemplo a comuna de Elvas. Em 1444, José Verdugo, ficava isento
de prestar serviços ao concelho. Rabi Sad e Ordonha, sua mulher, obtinham de Afonso
V permissão para viver entre os cristãos, o mesmo sucedendo com Meir de Cuélar,
Abraão Caldas, especieiro e boticário, Abel Alfarim e sua mulher Jamila, Samuel
Monção, mercador e esposa». In Maria Ferro Tavares, Judeus e Cristãos Novos no
distrito de Portalegre, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade
Nova de Lisboa, Acta do I Encontro da História Regional e Local, Setembro de
1987.
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