domingo, 4 de novembro de 2012

No Alto Alentejo. Crónicas e Narrativas. João António Gordo. «Da monotonia circundante nos recompensa Beja, a clara e atraente cidade do Sul, com seus velhos monumentos, suas nobres tradições e o aliciante sorriso, com o qual sempre acolhe quem a visita e daí se transfere às outras cidades do Alentejo»

Augusto Rainho, sobre óleo de Ventura Porfírio
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Dantre Tejo e Odiana
«Todo o Alentejo é plaino imenso, oferecido em sacrifício à violência das intempéries desde a falda setentrional da cordilheira algarvia ao pórtico ultra monumental de Ródão. Na transversal, estende-se a vasta planície desde o rio Guadiana, atalaiado a espaços pelo freixo e o loureiro-rosa, até às salinas de Alcácer e à costa do Oceano, abaixo da qual ainda à grande província foi permitido ostentar a graça estival de duas ou três praias de banhos. Relevos orográficos, em terra tamanha, poucos são, e só podem observar-se bem do alto das torres de Beja e Estremoz, dos eirados do castelo-solar de Alvito, que o último marquês-barão vendeu duas vezes à Casa de Bragança, ou das fortalezas de Viana, com sua estrutura de tijolo, e a da velha Salácia, que foi simplesmente construída de taipa, uma e outra assim formadas por se erguerem em sítios onde a rocha não aflora.
Na aridez, rica por certo, mas fortemente emocionante da região ao sul de Beja, Terra e Céu!, onde a presença dos alvos montes ainda mais rareia, Mértola e Odemira marcam, na torturante secura transtagana, sua agradável existência de vilas ribeirinhas, em volta da última das quais os nossos olhos cansados colhem com avidez o mimo tenro das pequenas veigas. Tudo o mais, na vasta circunferência da antiga cidade ducal, é terras de trigo, aproveitadas, no preparo dos alqueives, para a cultura de favais com vários quilómetros de extensão. Quando nas lavras, podem admirar-se, ainda, as cambiantes dos portentosos barros que abastecem Portugal. E outra coisa mais se não vê na extensa terra senhorial do que veio a ser o rei venturoso. Da monotonia circundante nos recompensa Beja, a clara e atraente cidade do Sul, com seus velhos monumentos, suas nobres tradições e o aliciante sorriso, com o qual sempre acolhe quem a visita e daí se transfere às outras cidades do Alentejo.
Jornadeando para cima, ainda antes de atingir a histórica e monumental cidade que toda a província tem por sua capital, já as elevações serranas de Portel e Monfurado se revelam à nossa vista e, dez ou doze léguas para norte, lá se avista então o dorso escuro da serra de Ossa, no centro da vasta província e na cota de 649 metros. A segunda daquelas, também conhecida por serra da Tourega, começa a erguer-se ao fundo da herdade da Mitra, onde agora se instalou a Escola de Regentes Agrícolas e em tempos foi lugar de estada temporária do metropolita eborense e dos senhores do Cabido.
Não minguam, na bela e prestigiosa cidade que teve consigo, ao correr dos séculos XV e XVI, a cintilante corte de Portugal, e outro tanto na maior parte das vilas da sua distrital circunscrição, atraentes temas de sedução em Arte e em Arqueologia, mais que suficientes para reterem, nesse tão valioso centro da província, o jornadeante curioso que aí passe com intenções de não se demorar. Grande relevo aí ganha Vila Viçosa e, acima dela, o grande paço dos Duques de Bragança. Além, na estirada linha da raia, que desce de Montalvão até à última das póvoas alentejanas, já confinando com o termo de Alcoutim, jazem os velhos guardiões da terra transtagana e da nação portuguesa, erguidos, em sua maioria, pelo rei Dinis, que foi troveiro das flores e do amor das moças, e nem por isso deixou de ser acautelado construtor de boas defesas do seu reino contra a cobiça latente no outro lado. Mais tarde, por incumbência de Manuel I, foram esses bastiões visitados por Duarte D’Armas, que por suas boas manhas logo passou a traça de cada um ao pergaminho, vindo, assim, a formar-se o tão interessante como conhecido Livro das Fortalezas.


Poucos, desses baluartes, escurecidos pelos séculos e pelas intempéries, mostram hoje toda a integridade da sua atitude defensiva. Vários foram, com o tempo, atingidos por duros golpes e por sevícias vergonhosas. E outros, escudeiros de burgos em decadência, podem ser, hoje, considerados fronteiros mutilados ou soldados vencidos: Alegrete, Ouguela e Juromenha à banda do norte; Terena, Monsaraz e Noudar à parte do sul». In João António Gordo, No Alto Alentejo, Crónicas e Narrativas, edição do Grupo de Amigos de Castelo de Vide, 2004, ISBN 972-99218-0-6.

continua
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