«Essa interessante leitura excitou muito a nossa curiosidade; o assunto
era importantíssimo, esclarecia-nos a nós e à geração actual de Goa sobre uma instituição que, como
dissemos, por longos anos presidira aos destinos dela; fora o maior terror dos
nossos avoengos, ecoara nas cinco partes do mundo pela sua inaudita tirania; conservara
a mais absoluta independência dos nossos antigos vice-reis em tempos em que
eles ostentavam por toda a parte o seu grande poder, sendo-lhes todavia vedado
intrometerem-se unicamente no quanto tocasse às coisas do Santo Oficio
(maldito); de falarem a respeito dos culpados nele; e mandando-se até por ordem
da corte aplicar exclusivamente para as despesas do tribunal e pagamentos dos
seus ministros uma das rendas da cidade, bem como para se tornar mais livre a
acção do tribunal e sobranceira à influência do poder civil, que
só devia dar-lhe ajuda e favor em tudo que por ele lhe fosse requerido!
E deste tribunal, os poucos homens vivos, que o alcançaram já em
decadência, pouco ou nada diriam que valesse para o material dum trabalho
sólido e seguido ou duma noção histórica imparcial, bem averiguada e minuciosa
nas suas diferentes circunstâncias e especialidades.
Colocados neste terreno, estivemos alguns anos de expectativa; e
finalmente entendemos mesmo na nossa deficiência fazer algum serviço à história
pátria e aos nossos concidadãos em aproveitar o ensejo e dar-lhes vertido, com
a vénia do dono, o mesmo livro, que é tão digno da versão, que dele nos diz o
sábio Ferdinand Denis:
- Muitos viageiros pintaram com grande energia os tormentos que a inquisição de Goa (maldita) fazia padecer a seus presos; mas o mais minucioso sem contradição e o mais moderado a todos os respeitos é um médico francês chamado Dellon, que escreveu um tratado especial sobre este tribunal, do qual foi uma das últimas vítimas.
Parecer este tão autorizado quanto conforme com o
geral dos escritores nacionais e estrangeiros; e entre os últimos apontaremos o
moderno viajante inglês, reverendo Claudio Buchanan, vice proboste do colégio do Fort William,
em Calcutá, que na sua obra Christian Researches in Asia,
Londres, 1811, dedicou algumas
páginas à visita que lhe fez em Goa
no ano de 1808, vindo com o mesmo
livro de Dellon no bolso [...]. Não nos demoveu do nosso propósito saber que
alguns capítulos do livro de Dellon andam introduzidos na chamada Historia
Completa das Inquisições de Portugal, Espanha e ltália publicada em
Lisboa no ano de 1821, porque esta obra
só aproveitou o que fazia ao seu intento; omitiu muita coisa importante;
alterou diferentes lugares; introduziu matéria estranha ao livro original, etc.
[...]». Nova Goa, 17 de Agosto de 1866, Miguel
Vicente de Abreu, In Charles Dellon (1649-1709?), Relation de
L’Inquisition de Goa, 1687, Leyden, Holanda, Narração da Inquisição de Goa,
tradução e notas de Miguel Vicente Abreu (1827-1883), Nova Goa, 1866, Edições
Antígona, Lisboa, 1996, ISBN 972-608-075-4.
A saudade do Álvaro José (onde quer que estejas!)
Cortesia de E. Antígona/JDACT