quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Amílcar Guerra. Plínio, O Velho, e a Lusitânia. Arqueologia e História Antiga: «Reportando-se a este passo pliniano o mesmo estudioso considera que o enclipodedista latino reconhece no Guadiana Baixo uma continuação do Guadiana Alto e deste modo justifica a descrição aqui feita e que aplica a diversas fases do percurso deste rio»

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Comentário
Plínio 3,6
«”In Laminitano agro Citerioris Hispaniae” - Dois casos de inversão do atributivo geográfico. Marouzeau considera de regra a posposição deste tipo de determinativos. Em Plínio podemos facilmente verificar que num grande número de casos o determinativo é posposto, processo pelo qual se dá relevo ao atributo. Acontece que, sobretudo nos livros geográficos, é este que se torna o elemento distintivo.
“Laminitano” tem neste caso maior importância que “agro e Citerioris” é o termo que importa reter quando se está a falar da Hispânia. De tal modo é diminuta a importância deste último temo neste contexto que nalguns casos é mesmo omitido. Da análise das ocorrências por nós levantadas da expressão em que entram os dois termos se verifica que a posposição do atributo está documentada apenas no livro geográfico que lhe corresponde, enquanto que nos restantes se regista apenas a ordem normal.
A respeito desta expressão assinalamos ainda um uso particular do genitivo chamado "geográfico", de resto muito frequente em Plínio, mesmo nos livros que não dizem respeito à Geografia.
“ortus...fundens... resorbens... condens... gaudens - Plínio recorre com frequência às construções participiais. Se bem que nalguns casos, para Müller, seja uma forma de dar variedade e leveza à expressão, neste caso particular assinalamos a insistência neste tipo de construção associada a um certo paralelismo de alguns elementos:
  • modo in stagna se fundens;
  • modo in angustias resorbens.
Note-se a ‘uariatio’ dos elementos de ligação ‘modo...moda..auL.. et...’.
‘in totum’ - In mais adjectivo neutro substantivado é um uso pós-clássico, neste caso atestado a partir de Celso.
“in Laminitano agro – Laminiun” é, segundo García y Bellido, a actual Alhambra. Schulten pensa que se situaria na localidade de Lagos, próximo de Fuenllana, donde provem uma inscrição que refere o “municipium Laminitanum. Reportando-se a este passo pliniano o mesmo estudioso considera que o enclipodedista latino reconhece no Guadiana Baixo uma continuação do Guadiana Alto e deste modo justifica a descrição aqui feita e que aplica a diversas fases do percurso deste rio. As nascentes situar-se-iam perto da actual Ruidera o que parece conesponder à indicação do ITIN. Anton. Aug.
que situa o ‘caput Anae’ a sete milhas de “Laminium”. Os ‘stagna’ seriam o conjunto de dezassete lagoas de Ruidera, situadas no campo de Montiel. A restante informação parece aplicar-se ao Guadiana Baixo, uma derivação do Guadiana Alto, que corre durante 26 km por subterrâneos.

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‘cuniculis’ - Termo que em latim tanto significa "coelho" como "canal" e que está atestada desde Cícero e Varrão. É considerada já por alguns autores latinos de origem hispânica. A sua possível relação com o basco ‘unchi’ foi frequentemente apontada, afastando-se deste modo a sua origem indo-europeia.
‘saepius nasci gaudens’ - A personificação é duplamente marcada, pot ‘nasci e gaudens’. O fenómeno é conhecido como os "ojos del Guadiana" e ocorre pouco a Norte de Daimiel.
‘in Atlanticum oceanum’ - Sobre a posposição do determinativo geográfico v. supra o que se disse a propósito de “Citerioris Hispaniae”.
‘Tarraconensis autem’ - A posição de “Tarraconensis” justifica-se por marcar a mudança para assuntos referentes a outra província e tem a sua correspondente em “Ulterior in duas...” A ideia de oposição entre estas duas frases é reforçada ‘por autem’.
O “Gallicus oceanus”, a parte do oceano Atlântico que banha as costas da Gália, corresponde ao Mar Cantábrico. Nalguns passos Plínio marca a distinção entre este e o ‘mare Gallicum’ que corresponde à costa mediterrânica da Gália. Esta distinção resulta do facto de ‘oceanus’ ser por antonomásia o Atlântico e não se aplicar geralmente ao Mediterrâneo.
O monte ‘Solorius’, ‘Solarius’ segundo Tovar, é a Serra Nevada. A cordilheira oretana, nome derivado do étnico ‘Oretani’ e do topónimo ‘Oretum’, identificado com as ruínas próximas de Granátula, Ciudad Real, corresponde à Serra Morena. A cordilheira carpetana recebe o seu nome do povo que habitava a Este dos Vetões, entre o Guadiana e o sistema montanhoso constituído pelas Serras de Gredos e Guadarrama, a que se deu na antiguidade o seu nome. Considera-se que a designação “iuga Asturum” corresponde geralmente aos Pirenéus Ástures, embora neste passo Plínio se refira genericamente ao sistema montanhoso galaico-asturiano. Esta forma de estabelecer as fronteiras entre a Tarraconense e as outras províncias da Hispânia apenas pela orografia acaba por se revelar bastante imprecisa, especialmente no que se refere ao limite entre a Tarraconense e a Lusitânia». In Amílcar Guerra. Plínio, O Velho, e a Lusitânia, Arqueologia e História Antiga, Edições Colibri, 1995, ISBN 972-8047-97-5.

Cortesia de Edições Colibri/JDACT