quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Fernando Pessoa. Livro do Desassossego. «A ti são oferecidos os dias e os seres; os astros são votos no teu templo, e o cansaço dos deuses volta ao teu regaço como a ave ao ninho que não sabe como fez»

Cortesia de pasunautre

In Memoriam de MLAC

«A inspiração chega de formas imprevisíveis, Uma imagem entrevista, uma frase entreouvida, um cheiro que desperta uma lembrança, uma conversação, uma notícia no jornal, uma repentina ideia surgida na cabeça, coisas tão simples podem dar origem a um poema, um quadro, uma sinfonia, ou até a um complexo sistema filosófico. Acontece que a mais deslumbrante obra em prosa de Fernando Pessoa, uma obra que perdurará como um dos monumentos literários do século XX, nasceu de uma só palavra: “desassossego”, que agitou a alma de Pessoa em 1913, mais precisamente em 20 de Janeiro.

Nesse dia redigiu, numa folha solta, o poema ‘Dobre’ que reza assim:

Peguei no meu coração
e pu-lo na minha mão.
Olhei-o como quem olha
grãos de areia ou uma folha.
Olhei-o pávido e absorto
como quem sabe estar morto;
Com a alma só comovida
do sonho e pouco da vida.

Ao lado do poema, pondo a folha na horizontal, rabiscou, em letras grandes, «O título “Desassocego”, sublinhando» o vocábulo em grafia antiga com um traço bem vincado. Trata-se de uma palavra simultaneamente comum e misteriosa, rica em matizes significativos e sem um bom equivalente noutras línguas, pois nem o ‘desasosiego’ do espanhol consegue ser tão «desassossegado». Todo o “Livro do Desassossego” é, em grande medida, uma exploração do vasto e variado território que ela designa». In Livro do Desassossego, Fernando Pessoa, Assírio & Alvim, 2008, ISBN 978-972-37-1121-9.

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