domingo, 12 de fevereiro de 2012

Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz. Mário Nunes Costa. «Não menos importante é o facto de ser este o documento em que pela primeira vez, aos nossos olhos, Vasco Esteves é designado Vasco Esteves de Gatuz. A partir de então e até à segunda metade do século XVII, quando nas chancelarias régias houve que aludir à capela por Vasco Esteves instituída»

Cortesia da academiaportuguesadahistoria

Morte de Vasco Esteves
«O impetrante, sendo uma das partes por ele beneficiadas, já se encontrava na posse do documento. Conservara-se depositado no mosteiro, como então, por vezes sucedia?

NOTA: É exemplar o caso do testamento do rei D. Dinis, lavrado em 1322. Foram dele feitas três cartas do mesmo teor, uma para a Chancelaria, ao fim de ser dada à rainha D, Isabel quando o rei morresse, outra para o abade de Alcobaça e a terceira para um dos testamenteiros. ‘E tanto que eu morrer, mando que os meus testamenteiros sejam logo entregues dessa carta, que eu mandei guardar ao abbade de Alcobaça, que a tenham com as outras para obrarem por elles, e pera comprirem este meu testamento...', (“Provas da História Genealógica da Casa Real Portuguesa”, t. 1, Lisboa Ocidental, Oficina Sylviana da Academia Real, 1739).

Tem maior probabilidade que lho tenha facultado Margarida Vicente. Em última análise, ao ir perante o juiz, o que o guardião franciscano pretendeu foi obter uma pública-forma das disposições testamentárias, ‘porque elle por proll do dicto mosteiro se entendia d'ajudar delle’. A cópia ia, por certo, servir-lhe para garantir, por um lado, os direitos da sua própria casa e, por outro, o cumprimento por parte dos administradores da capela das obrigações nele expressas. Mas, por quê o seu pedido naquela data? Não foi dito. Chama, no entanto, a nossa atenção o facto de também nesse ano (e não no ano seguinte, como se escreveu num registo oficial setecentista) Margaria Vicente mandar lavrar o seu último testamento, anulando anteriores.

NOTA: Diz o registo setecentista: “Margarida Vicente ordemnou capela em S. Francisco [de Estremoz]... no anno de 142”. "Descripsam das Capellas da Coroa, sitas em a Provedoria de Evora, com o Index das mesmas, feito sendo juiz dellas Diogo de Castro de Lemos ... Anno-1789". A data indicada pelo autor da ‘Descripsam...’ está errada, por inconsideração do texto do testamento. Este tem a data de 15 de Abril de 1384 (1422 da era de César).

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Por quê vinte e um anos depois de o marido ter ditado o dele e menos de um mês antes do apontado interesse dos franciscanos por este documento? Falecera Vasco Esteves havia pouco?
Fique no ar a interrogação. Por ora, apenas podemos afirmar, com solidez, que Vasco Esteves era ‘ja pasado’ em meados de Maio de 1384, pois assim o certificou Álvaro Pires, o tabelião ao tempo em Estremoz que passou a pública-forma solicitada pelo convento. O testamento de Margarida Vicente revela, por seu turno, ser ela já viúva em 15 de Abril desse ano.
Se 1363 tem a seu favor alguns argumentos não definitivos, 1384, apesar de alguma nebulosidade, surge, face ao exposto, como data a considerar também provável para a morte do escudeiro. Só o melhor conhecimento do seu trajecto terreno pode vir a esclarecer um dia a data exacta do desenlace.

Vasco Esteves de «Gatuz»
Para além do testamento de Vasco Esteves, não conhecemos qualquer outro documento coevo que iniludivelmente se refira ao escudeiro estremocense. O mais próximo dele, além do testamento de Margarida Vicente, é, com alguma probabilidade, um documento avulso, este original, mas já dos princípios do século XV, precisamente de 1408 (Dezembro, 28), que de forma acidental o cita, tendo interesse para a sua biografia.
É uma carta de encampação feita por Gomes Eanes, tabelião do Condestável na vila de Sousel, antigo reguengo no termo ducentista de Estremoz, pela qual Afonso Rodrigues, aí morador, entrega a Rodrigo Afonso, criado de Fr. Fernão Rodrigues, mestre da Ordem de Avis, e seu procurador, ‘hua coua de teer pam’ que ambas as partes reconheciam ser da referida Ordem. Com base neste documento se deve acrescentar aos bens que haviam pertencido a Vasco Esteves uns «paaços», situados em Sousel, junto dos quais se localizava a cova de pão.
Não menos importante é o facto de ser este o documento em que pela primeira vez, aos nossos olhos, Vasco Esteves é designado Vasco Esteves de Gatuz.

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A partir de então e até à segunda metade do século XVII, quando nas chancelarias régias houve que aludir à capela por Vasco Esteves instituída, o seu nome aparece como Vasco Esteves de Gatuz só. Em meados do século XVIII, Fr. Fernando Roberto de Gouveia ainda assim escreve. Modernamente, a consoante fricativa dental ‘z’ enfraqueceu, deu-se o abrandamento para ‘s’ e a forma do nome que subsiste em nossos dias é, como se pode escutar, Vasco Esteves de Gatus. Em vida, no entanto, o único documento que conhecemos como referente, sem dúvida, a ele, o seu testamento, di-lo, repare-se, apenas Vasco Esteves. No testamento de Margarida Vicente mantém-se esta simples forma de nome. Por quê, alguns anos mais tarde, “de Gatuz”?

Identificação de ‘Gatuz’
Os Gato criaram nos séculos XIII e XIV laços familiares com os Gonçalves de Sousa, os Martins de S. Colmado, os Soares de Melo, os Pires de Azevedo, os Pais Curvo de Alvarenga, os Pires de Gundar, os Gonçalves de Portocarrero, os Esteves de Tavares, os Pires de Pereira, os Anes de Paiva, […] e outros mais, a quem o sobrenome aponta para um topónimo de origem ou de domínio. Ter-se-á dado algo de semelhante com ‘Gatuz’?». In Mário Alberto Nunes Costa, Vasco Esteves de Gatuz e o seu Túmulo Trecentista em Estremoz, Academia Portuguesa da Historia, 1993, ISBN 972-624-094-8.

Cortesia da AP da Historia/JDACT