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A Poesia Galaico-Portuguesa
«A poesia galaico-portuguesa chegou até nós através de três Cancioneiros manuscritos:
- o da Biblioteca da Ajuda, dos últimos decénios do século XIII,
- o da Biblioteca Nacional de Lisboa, antigo Colocci-Brancuti, copiado em Itália em começos do século XVI por ordem do humanista Angelo Colocci e comprado pelo governo português em 1924, depois da sua descoberta na biblioteca do conde Brancuti,
- e o da Biblioteca do Vaticano, originário também da biblioteca de Angelo Colocci. É constituída por cerca de 1680 textos de carácter profano, da autoria de 153 trovadores e jograis.
A este ‘corpus’ podem acrescentar-se as 420 Cantigas de Santa Maria de Afonso X de tema religioso. A sua cronologia abrange o período que vai desde fins do século XII até à segunda metade do século XIV.
É uma poesia escrita numa língua comum a poetas de origem diversa: galegos, portugueses, leoneses e até provençais, como Raimbaut deVaqueiras, que escreveu entre 1180 e 1205, o que demonstra a existência de uma tradição oral, já firmada por essa altura, de que não restam testemunhos directos. Isto prende-se, por outro lado, com o debate sobre a origem de um dos aspectos mais originais dessa poesia, as cantigas de amigo, em que é a rapariga que fala, cuja tradição pode remontar a uma lírica peninsular pré-trovadoresca: as “jarchas” moçárabes, muito próximas, do ponto de vista formal e temático, do universo das cantigas.
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A classificação por géneros da poesia galaico-portuguesa é feita a partir de uma ‘Arte de trovar’ que se encontra no Cancioneiro da Biblioteca Nacional. Os três grandes géneros são constituídos pelas “cantigas d'amor, cantigas de amigo e cantigas de escárnio e de mal dizer”. Além destes, há “tenções, pastorelas, lais”, ou ainda, “albas, prantos, discordos”, entre outros numa variedade que revela a riqueza deste conjunto.
Acrescente-se a este aspecto o lado musical desta tradição poética.
Com efeito, o Cancioneiro da Ajuda tem iluminuras que mostram a execução das cantigas, com espaço reservado para a música, que não chegou a ser copiada. Chegou até nós, no entanto, música das ‘Cantigas de Santa Maria’; um documento da transição do século XIII para o XIV, o pergaminho Vindel, transcreve sete cantigas de amigo de Martim Codax, seis das quais conservam a musica; e mais recentemente, em 1990, na Torre do Tombo, foi descoberto por Harvey Sharrer um pergaminho contendo sete cantigas do rei Dinis acompanhadas da respectiva notação musical.
A variedade de autores, desde reis, como Dinis, bastardos de sangue real como Afonso Sanches e Pedro de Portugal, nobres como Afonso Lopes de Baião, Pay Gomes Charinho, Gonçal'Eanes do Vinhal, até eclesiásticos como Gomez Carcia, abade de Valhadolide, cavaleiros como Roy Queimado, escudeiros como Pêro da Ponte, além de muitos outros, burgueses, judeus, homens de letras, dá um quadro do mundo que esta poesia retrata. Sátiras políticas e pessoais, muitas vezes de grande violência, nas cantigas de “escárnio e mal dizer”, ou quadros de um lirismo extremo, com um cenário simbólico em que a fonte, o cervo, os cabelos, ou o vestuário da rapariga, a vegetação, sugerem uma elaborada composição, nas “cantigas de amigo”, ou ainda a complexidade dos sentimentos em relação à ‘senhor’, que vão desde o ‘serviço’ em que o homem, independentemente da sua a condição social, se entrega nas mãos da mulher amada, até ao simples jogo amoroso em que a mulher se sente enganada e utilizada, nas “cantigas de amor”, dão-nos uma imagem da vida medieval nos seus aspectos mais diversos.
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Saliente-se, finalmente, a cultura cavaleiresca dos trovadores. Patente em citações de romances de cavalaria e dos seus heróis, como Tristão e Isolda, ou Lançarote; e o uso da técnica perfeita do paralelismo, com versos que se vão repetindo com variações mínimas ao longo do poema, nas “cantigas de amigo”, que é um dos aspectos mais originais desta escola poética, que decai até desaparecer, em meados do século XIV, quando o galego-português é substituído, na poesia, pelas duas grandes línguas nacionais da Península: português e castelhano. Assim, os Cancioneiros posteriores a essa data apresentam já o triunfo da poesia em castelhano e em português.
O rei Dinis é um dos autores representado nos Cancioneiros com maior número de composições: são de sua autoria 137 textos, nos vários géneros. Nasceu em Lisboa em 1261, tendo falecido em Santarém, em 1325.
É filho de Afonso III de Portugal e de D. Beatriz de Castela, sendo neto por via materna de Afonso X, de quem terá herdado o génio poético. O pai Afonso III, por outro lado, traz consigo a influência francesa e o gosto pela literatura cavaleiresca, o que terá criado um ambiente favorável a que, na corte de Dinis, que terá tido preceptores de origem provençal como Aimeric d'Ebrard, a cultura tivesse encontrado um momento de grande florescimento. A ele se deve a fundação dos “Estudos Gerais de Lisboa, embrião da Universidade Portuguesa”.
Também pelo casamento com Isabel de Aragão, a literatura em ‘langue d'oc’ viu a sua presença reforçada na corte dionisina». In D. Dinis, Cancioneiro, colecção dirigida por Vasco Graça Moura, organização, prefácio e notas de Nuno Júdice, Editorial Teorema e Nuno Júdice, 1997, ISBN 972-747-684-8.
Cortesia de Teorema/JDACT