Cortesia de bibliopoemes
III
Cantei um tempo, agora choro a guerra
que fui com dor sofrendo d'ano em ano,
sogeito dum cruel fero tirano
que nunca, sem ter vista, os golpes erra.
Musas, por quem Parnasso s'abre, e cerra,
pois à morte fazeis eterno engano,
conservai a memória do meu dano
em quanto cego Amor reinar na terra.
Porque de quem me ler aviso seja,
primeiro que vá dar desatentado
nas ciladas mortais deste homicida,
ou, se nelas deu já, dê volta, e veja
que só merece e deve ser amado
quem deu por nosso amor a própria vida.
IV
Era o dia em que fui d'amor vencido,
alegre em todo o mundo e festejado
por ser àquelle sancto dedicado,
que sancto foi primeiro que nacido.
Seguro de ciladas de Cupido,
entrei num fresco vale descuidado,
onde fui dele preso, onde roubado,
onde com seta d'ouro fui ferido.
Vi üa Ninfa andar colhendo flores
entre outras muitas, mais que todas bela,
com cuja vista amor ficou vencendo,
porque, se não tomara as armas dela,
inda que suas forças forâo mores.
por ventura me fora defendendo.
Diogo Bernardes, in «Rimas Várias - Flores do Lima», 1596
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