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«Em Outubro, a nau capitania naufragou à entrada do rio da Prata, e coube a Pêro Lopes de Sousa a subida do rio num bergantim, penetrando no Paraná até ao esteiro dos Carandins, onde implantou dois padrões a marcar o propósito de soberania portuguesa. De regresso para o norte, deteve-se a armada vários meses em S. Vicente, desde 22 de Janeiro de 1532, verificando-se então a dupla fundação de S. Vicente e de Piratininga, actos de singular visão política e estratégica estudados e comentados em magistral obra de Jaime Cortesão (“A Fundação de S. Paulo, capital geográfica do Brasil”). S. Vicente, na concepção de Martim Afonso de Sousa, seria o porto de mar que serviria e defenderia a vila do planalto à beira do Tietê, e os portugueses, por este rio, poderiam penetrar no Paraná e nos outros rios que nele confluíam, e assim demandar as terras do ouro e da prata. A carta atlântica de 1534 de Gaspar Viegas, tão intimamente ligada à expedição de Martim Afonso de Sousa, e peça capital para a compreensão do plano então posto em prática, como mostrou Jaime Cortesão.
Com a sua significativa representação do Paraná paralelo à costa e terminando em tês braços, num dos quais se pode reconhecer o Tietê, tão interessante documento cartográfico não pode deixar de acompanhar qualquer edição do ‘Diário’ de Pêro Lopes de Sousa; e além dela reproduzem-se também agora as folhas correspondentes de dois atlas anónimos existentes em Florença, de c. 1537, e que podem com muita verosimilhança atribuir-se igualmente a Gaspar Viegas.
Cortesia de operaprimaart
Gorou-se o intento imediato desta primeira fundação de S. Paulo, já que os espanhóis, bem avisados (nomeadamente pelo português Gonçalo da Costa), logo barraram o caminho para o interior aos lusitanos, com uma ‘dupla fundação’ também a de Buenos Aires e Assunción. Mas o núcleo de povoamento deixado então nos campos de Piratininga, fixado, anos volvidos, junto do colégio dos jesuítas, nem por isso deixou de ser, dada a excepcional situação geográfica, o ponto de partida do que viria a ser a grande metrópole bandeirante que tanto contribuiu para o alargamento das fronteiras do Brasil. É significativo que à dupla fundação tenha Pêro Lopes consagrado algumas das raras linhas em que se não ocupa de acontecimentos náuticos:
- «A todos pareceu tão bem esta terra, que o capitão irmão determinou de a povoar e deu a todos os homens terras para fazerem fazendas e fez uma vila na ilha de S. Vicente e outra nove léguas dentro pelo sertão, à borda dum rio que se chama Piratininga. E repartiu a gente nestas duas vilas; e fez nelas oficiais e pôs tudo em boa obra de justiça, de que toda a gente tomou muita consolação, com verem povoar vilas e ter leis e sacrifício e celebrar matrimónios e viverem em comunicação das artes e ser cada um senhor do seu, e vestir as injúrias particulares e ter todos os outras bens da vida segura e conversável».
Paralelamente à expedição de Martim Afonso de Sousa, procurou o monarca João III, pela mesma, altura, promover a colonização da Costa da Malagueta, facto geralmente desconhecido mas que se nos afigura essencial para a completa compreensão do que se passou então em relação ao Brasil; procurava-se, claramente, barrar o caminho do Atlântico Sul aos franceses.
Cortesia de corujasapienswordpress
Houve, pelo menos, duas tentativas em relação à Costa da Malagueta: uma, de 1532, confiada a Duarte Coelho (que poucos anos depois tanto se notabilizaria na fundação de Olinda e no governo da sua capitania brasileiro), e que ainda ignoramos por que se gorou; a outra, de 1540, morta à nascença devido ao temporal que destroçou a armada pouco depois de largar de Lisboa. O rei João III também aqui tinha razão e teve visão: seria pelo buraco, não fortificado, da Costa da Malagueta, que, em boa parte, se daria a invasão holandesa do fim do século XVI na Guiné.
O documento mais importante sobre a expedição de Martim Afonso de Sousa é o chamado ”Diário da Navegação de Pêro Lopes de Sousa”, da autoria do irmão e principal colaborador do capitão-mor (que no díário é designado por «capitão I.», ou seja ‘capitão irmão’.
Pêro Lopes de Sousa era fìlho de Lopo de Sousa, senhor do Prado, Pavia e Baltar, alcaide-mor de Bragança e do Castelo do Outeiro, tendo nascido em ano ignorado da primeira década do século XVI. Desconhece-se a sua vida anteriormente a 1530, mas em carta muito provavelmente anterior a este ano, o conde da Castanheira, dirigindo-se a Martim Afonso de Sousa, já diz que «Pêro Lopes, vosso irmão, está feito um homem muito honrado» apesar da sua pouca idade. O comportamento e valor marinheiro de Pêro Lopes de Sousa durante a expedição de 1530-1532 estão sobejamente atestados nas páginas do seu “Diário da Navegação”». In Diário da Navegação de Pêro Lopes de Sousa (1530-1532), Leitura de Jorge Morais-Barbosa, Lisboa, Editora Gráfica Portuguesa, 1958.
Cortesia da EG Portuguesa/JDACT