Cortesia de foriente e americancientist
«Antes de descrevermos o trabalho de Bocarro, desejamos resumir aqui o pouco que se sabe do próprio autor.
António Bocarro nasceu em Abrantes em 1594, sendo irmão do célebre Manuel Bocarro Francez um dos mais afamados físicos e matemáticos do seu tempo.
A sua família pertencia à infeliz classe de povo denominada “cristãos novos” que eram aborrecidos e desprezados pelo resto da população em razão do seu sangue israelita (o sangue judaico vinha provavelmente, do lado materno, porque seu avô, António Bocarro, tinha sido soldado de renome e capitão de Safim, uma das fortalezas portuguesas em Marrocos).
Perseguidos e desprezados como estes proscritos sociais foram por mais de três séculos, eles produziram mais que a parte que lhes cabia entre os cientistas, sábios e escritores portugueses, não figurando António Bocarro entre os menos ilustres destes.
Como a maior parte dos da sua classe, Bocarro era um católico nominal, mas de facto apenas cristão fingido. Nada se sabe dos primeiros anos da sua existência, mas, quando rapaz estudou no Colégio dos Jesuítas de Santo Antão, em Lisboa, de onde saíram muitos dos principais escritores e estadistas desse período, como Diogo do Couto, Francisco Manuel de Melo, e António de Sousa Macedo. Parece ter partido para a Índia em 1622, na infeliz armada do vice-rei Francisco da Gama, conde da Vidigueira, da qual a maior parte dos navios se perdeu no combate contra a esquadra combinada anglo-holandesa, fora de Moçambique, em Julho do mesmo ano.
Cortesia de arquenet
Chegado à Índia, Bocarro parece ter ido primeiro para Cochim aonde havia uma numerosa e relativamente florescente colónia judaica, cuja origem era anterior à ocupação feita pelos portugueses, nos princípios do século XVI. Aqui foi preso pela Inquisição (maldita) e esteve cativo em Cochim e em Goa, mas livrou-se por abjecta confissão e implicação de todos os seus amigos e parentes como cristãos-novos. Possivelmente a reputação de seu irmão como físico, influiu no comparativamente suave tratamento que lhe foi dado, porque Manuel Bocarro contava muitos cabeças coroadas da Europa entre os seus doentes e estava em condições de poder interceder pelos seus parentes menos afortunados, não só em Lisboa, mas até junto do Vaticano.
Depois de abjurar os seus erros na forma prescrita, Bocarro regressou ao rebanho católico, sinceramente ou não, é impossível afirmá-lo, apesar de ‘a priori’ a sua reconciliação com a Igreja parecer mais que duvidosa.
Seja como for, ele encontrou um protector valioso, contra qualquer recrudescência da perseguição dos judeus, da qual as autoridades eclesiásticas de Goa tanto gostavam, na pessoa do vice-rei Miguel de Noronha, conde de Linhares, que assumiu o vice-reinado em 1629. Este fidalgo foi um carácter tolerante, de singulares vistas largas, para a sua época e nação, sendo celebrado, ou infame, como diziam seus inimigos, pelo favor e protecção que dava aos cristãos-novos.
Ele não se demorou em conhecer o mérito e a habilidade de Bocarro, e em 1631, nomeou-o ‘Cronista’, e ‘Guarda-mor da Torre do Tombo do Estado da Índia'. Bocarro desempenhou estas funções durante doze anos e a sua acção foi considerável, comparada mesmo, com a do infatigável cronista Diogo do Couto (1542-1616), o primeiro que desempenhou estas funções, posto que não tivesse sido predecessor imediato de Bocarro, como frequente, mas erroneamente é afirmado». In Charles Ralph Boxer, Macau na Época da Restauração, fac-simile da edição da Imprensa Nacional de Macau de 1942, Fundação Oriente, 1993, ISBN 972-9440-17-4.
Cortesia da F. Oriente/JDACT