A Península Ibérica, no tempo de Fernando e Isabel
Cortesia de editorialpresenca
Uma história de amor obsessivo e paixão incontrolável... e de traição cruel e cínica
«A rainha Joana era filha de Fernando e Isabel e irmã de Catarina de Aragão. Foi fundamental na criação das poderosas casas de Habsburgo de Espanha e da Áustria, que perdurariam durante séculos.
Ao longo da sua vida, Joana viu ser-lhe cruelmente negado o acesso ao poder pela parte de três homens:
- o seu marido, Filipe,
- o pai, Fernando,
- o filho, Carlos.
Enfrentou a crueldade implacável de todos, tanto física como mental, com coragem e determinação, e a sua resistência incansável mereceu-lhe o injusto cognome pelo qual é recordada:
- Joana, “a Louca”
Enquadramento histórico
A história de Joana decorre entre 1496 e 1555, sobretudo em Espanha, mas também nos Países Baixos e brevemente em França e em Inglaterra.
Passa-se no período em que o rei Fernando de Aragão e a rainha Isabel de Castela, os Reis Católicos, tentam fortalecer o recém-formado reino de Espanha. Com este objectivo em mente, tentam proteger o seu país de ameaças externas e estender a sua influência ao estrangeiro por meio de casamentos reais estratégicos, celebrados nas pessoas dos seus filhos. O mais conhecido da história inglesa foi o da filha Catarina de Aragão com Henrique VIII. As mortes inesperadas dos filhos mais velhos dos reis teve como consequência o facto de Joana, a menos adequada a um casamento político e à sucessão ao trono, se ver obrigada a carregar ambos esses fardos.
Casamento
A cabeça de Joana era uma amálgama de esperança e de medo, próprios de uma jovem que ainda não fizera dezasseis anos. O aperto que sentia na garganta, quase a impedia de respirar.
Saiu dos seus aposentos e apressou-se ao longo da galeria do primeiro andar, seguida pelas aias e pela escrava Zayda. Os seus pensamentos estavam concentrados na Sala do Conselho e mal reparou nos cortesãos e nos guardas, que trocavam olhares e abanavam a cabeça, compreensivos. O agradável perfume da lavanda, o seu preferido, que se erguia do soalho de carvalho e dos pesados baús, recentemente encerados, não a cativou.
Sabia por que motivo a rainha sua mãe a mandara chamar. É claro que sabia. Desde a assinatura do contrato, havia ainda pouco tempo que ansiava e receava simultaneamente a chegada daquele momento, ainda na esperança vã de que não se concretizasse nos anos mais próximos.
Todavia, naquela fria manhã de Janeiro de 1496, uma data que iria certamente ficar gravada para sempre no seu coração, fora convocada para uma audiência formal. Não havia dúvidas quanto ao seu propósito: não podia ser mais nada senão informá-la de que se haviam concluído as negociações do casamento e de que se marcara a data da sua partida.
Uma pressão dolorosa esmagava-lhe o peito. Era como se tivesse recebido uma sentença de morte que desfizera os sonhos maravilhosos que alimentara, sonhos sobre um príncipe triste e infeliz que recuperaria a felicidade perante a visão do seu belo rosto.
- Zayda, vou ser exilada de Espanha... banida. - As palavras saíam-lhe estranguladas por entre arquejos. - Como poderei viver num país tão longínquo? A viagem de barco é tão longa e perigosa!
Filipe, arquiduque da Áustria, duque da Borgonha, Brabant […] Artois e …
Cortesia da editorialpresença
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Sei que me vão separar de tudo o que amo. Nunca mais verei a minha família, tenho a certeza. Ficarei perdida, esquecida para sempre. Deteve-se na esquina, onde a escadaria se erguia do pátio, lá em baixo, e inspirou o ar invernoso e gelado que subia furtivamente. Nervosa, sacudiu a saia de veludo verde com dedos agitados. Zayda envolveu-lhe as mãos para as acalmar - Coragem, minha Senhora, coragem - pediu à sua bela menina. É que Joana era bela em todos os sentidos:
- fisicamente,
- na graciosidade dos seus movimentos,
- na musicalidade da voz.
Era de altura mediana, magra e muito bem proporcionada. Grossas tranças de um cobre dourado coroavam-lhe o rosto oval, mas, naquele momento, as lágrimas ameaçavam saltar-lhe dos olhos cor de avelã, sempre prontos a cintilar de inteligência, alegria, calor e amor. Os lábios, acostumados a sorrir e a rir, apertavam-se de medo.
As aias esperavam a uma curta distância.
- Que devo fazer? - perguntava-lhes Joana. – Estou tão assustada. Podeis prometer-me que serei feliz na Flandres e, se sim, por quanto tempo? E, se não, que será de mim?
- Minha Senhora, ninguém pode saber. Temos de confiar em Deus.
- Espero que Ele tenha piedade de mim. A minha irmã Isabel diz que se quer retirar para um convento. Achais que devo dizer à minha mãe que tenciono igualmente ser freira? Impossível! Essa vida não é para mim. Digo as minhas orações, vou à confissão e à missa, e é mais do que suficiente.
Exclamações chocadas das aias interromperam-na.
- Só disse isso pelo facto de a Flandres ser tão longe. Se estivésseis no meu lugar, diríeis exactamente o mesmo! Mas como me atrevo a demorar-me aqui? Os meus pais tratarão logo de me acusar de relutância e desobediência.
Joana ergueu as pesadas saias do traje, fez uma vénia, benzeu-se apressadamente defronte do tríptico anichado na esquina e dirigiu-se à Sala do Conselho para ser informada do seu destino, seguida pelas aias, que se detiveram brevemente para também se benzerem.
Sabia há já um ano da proposta de união e das diversas negociações que rodeavam o seu casamento com o arquiduque Filipe, filho do sacro imperador romano. Ingénua, pensara que se passariam vários anos antes da realização do casamento, mas em breve se tornou evidente que não seria assim. Durante todo o ano haviam tido lugar constantes idas e vindas de embaixadores e o casamento por procuração, no início do mês, e a sua assinatura, declarando-a ligada a todas as cláusulas do contrato de casamento, gritavam a iminência da partida». In Linda Carlino, “That Other Joana”, 2007, Joana, a Louca, Editorial Presença, Lisboa, 2009, tradução de Isabel Nunes, ISBN 978-972-23-4231-5.
Cortesia de E. Presença/JDACT